Guitarra elétrica: uma sonoridade eletrizante (parte 1)


Leonardo Arruda

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Prazer. Meu nome é Leonardo Arruda e faço mestrado em Música (Música, Linguagem e Sonologia) na Unicamp. 

Antes de começar, vale frisar que o termo violão é usado somente na língua portuguesa-brasileira e se refere ao instrumento de cordas dedilhadas, normalmente com cordas de nylon ou aço e uma caixa de ressonância de madeira, muito usada na música popular brasileira. Em outras línguas o nome é guitarra, que, para nós, se refere ao instrumento elétrico, acusticamente mudo, normalmente com captadores magnéticos, popularizado pelo Jazz, Blues e principalmente pelo Rock N Roll (TAUBKIN, 2007, p. 22). Neste artigo, será usado o termo “guitarra” para referenciar ao instrumento acústico e “guitarra elétrica” para o instrumento elétrico. Sejam bem-vindes ao Blog C4. Boa leitura!

Certa vez, enquanto estava assistindo à performance de Why I Sing The Blues - Live in Africa, 1974, do B.B. King, e reparando no timbre da guitarra elétrica, comecei a lembrar das sonoridades das guitarras elétricas de outros músicos que admiro. Durante essas lembranças, ocorreu-me o seguinte insight: como pode a guitarra elétrica ser um instrumento tão protagonista em certas bandas? O que faz dela um instrumento versátil em questão de sonoridade? O que tem por trás disso tudo?

Após alguns dias, em diálogo com meu orientador José Fornari (inclusive, recomendo a leitura do blog dele, Musicologia na Mídia), comentei sobre esse meu insight e tivemos uma longa conversa sobre como a guitarra elétrica às vezes é a que lidera algumas bandas de Blues, Jazz e Rock N Roll. Depois dessa conversa, surgiu a ideia deste artigo. Aqui vou apresentar brevemente como surgiu a guitarra elétrica e como ela ganhou destaque no meio musical, depois apresentarei alguns exemplos de modelos de captadores e os processos internos de captura e amplificação do som, e finalizarei com alguns exemplos de sonoridades de guitarristas.

Durante a grande popularidade do Jazz (1920-1930), era comum encontrar nos bares clandestinos de Nova Orleans, por conta da Lei Seca de 1920, as famosas “big bands'' (GIOIA, 2011, p. 100). Essas bandas consistiam em bateria, contrabaixo, guitarra, piano e um seção de metais, normalmente saxofone, trompete e trombone. Naquela época, a atuação da guitarra era de acompanhamento harmônico e rítmico para as performances solistas dos metais entrarem em ação (GIOIA, 2011, p.110-120). Isso mudou definitivamente com Eddie Lang, um ítalo-americano que trouxe visibilidade e relevância a guitarra de forma nunca antes vista.  Lang é considerado o “pai da guitarra de Jazz”. 


Eddie Lang com Gibson L-5

Eddie Lang tocando sua Gibson L-5

Lang fez da guitarra um instrumento solo, destacando-o no meio de bandas e orquestras, além de realizar acompanhamentos de vocais (YANOW, 2003, p. 94). Nas músicas “Perfect” e “Without That Man” (esta última, ele acompanha a voz de Ruth Etting), é nítido esse destaque ao instrumento de seis cordas.








Graças a essa modernização de Lang, outros músicos e bandas do segmento do Jazz e do Blues (outro gênero musical fortemente presente na época) começaram a destacar a guitarra em suas músicas, mas essa ênfase trouxe um problema. As guitarras da época não possuíam grandes intensidades sonoras, e em determinadas performances o som acabava ficando um tanto “encoberto” pelo som dos outros instrumentos, dificultando sua escuta. Assim, surge a necessidade de “dar mais volume” para o som da guitarra. Como na época havia alguns pesquisadores e empresas que buscavam desenvolver recursos envolvendo tecnologia elétrica e eletrônica na síntese sonora, começaram a aparecer os primeiros captadores sonoros magnéticos.

De acordo com Bacon (1994), Adolph Rickenbacker e George Beauchamp eram os donos da empresa Ro-Pat-In Company (ElectRo-Patent-Instruments) especializada em guitarras havaianas.

George Beauchamp


Adolph Rickenbacker


Em 1932, seus primeiros instrumentos receberam o nome de Rickenbacker Electro A-22, e foram apelidados de “frying-pan” (“frigideira”, em português) devido aos seus braços longos e corpos circulares. Essas foram as primeiras guitarras elétricas de corpo sólido que se tem registro, mesmo sendo do tipo lap-steel (tocadas no sentido horizontal e com o uso de um slide de aço, como no caso da guitarra havaiana). Essas guitarras elétricas tinham um captador magnetizado com duas tampas de aço, em forma de ferradura, que se arqueavam sobre as cordas (BACON, 1994). Esses captadores eletromagnéticos eram compostos por metais como níquel, cobre e alumínio. A bobina elétrica, em conjunto com um imã, gerava um campo magnético (principio da lei de Faraday), e toda vez que as cordas de aço eram beliscadas, elas vibram e assim interagiam com o campo da bobina, gerando impulsos elétricos que eram enviados para um amplificador e transformados em som no alto-falante de saída, conectado pelo jack através de uma corrente alternada (HENRIQUE, 2002; BACON, 1994; SANTOS, MOLINA, TUFAILE, 2013; LUIGHI, 2003, p. 10).


frying pan - primeira guitarra elétrica (1932).

Captador da Rickenbacker Electro A-22.


 É importante ressaltar que, para que fosse possível ouvir o som de uma guitarra elétrica, é necessário que ela estivesse conectada a uma caixa amplificadora de som. Em linhas gerais, a caixa amplificadora consistia em uma placa eletrônica interna responsável por identificar o som obtido da saída do instrumento elétrico, pré-amplificar esse sinal e enviar para um alto-falante. Há diferentes caixas amplificadoras (valvuladas, transistorizadas e híbridas), mas não irei aqui aprofundar nesse assunto dos diferentes processos eletrônicos de amplificação sonora.

          Ainda há muito o que apresentar sobre os captadores e como as sonoridades deles trouxeram uma estética musical e eletrônica para a guitarra elétrica em alguns gêneros musicais. Porém, isso deixarei para um próximo momento. Até a parte 2!


Referências bibliográficas

BACON, Tony; DAY, Paul. The Rickenbacker Book: a complete history of Rickenbacker electric guitars. New York: Backbeat Books, 1994. ISBN 0-87930-329-8

HENRIQUE, Luís L. Acústica musical. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.

HUNTER, Dave. 365 Guitars: amps & effects you must play. New York: Voyage Press, 2013.

KOCH, Martin. Building Electric Guitars: how to make solid-body, hollow-body and semi-acoustic, electric guitars and bass-guitars. Austria: Ebook Edition, 2001.

LUIGHI, Edmar. Guia ilustrado da guitarra: manual de conhecimentos e reparos essenciais. São Paulo: Editora Hmp, 2003.

SANTOS, E. M.; MOLINA, C.; TUFAILE, A. P. B. Violão e guitarra como ferramentas para o ensino de física. Revista Brasileira de Ensino de Física, [S.L.], v. 35, n. 2, p. 1-7, jun. 2013. Fap UNIFESP (SciELO). DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s1806-11172013000200027.

TAUBKIN, Myriam. Violões do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007.

YANOW, Scott. Jazz on Record the first sixty years. San Francisco, Califórnia: Backbeat Book, 2003. ISBN: 0-87930-755-2.


Como referenciar este artigo:

ARRUDA, Leonardo. Guitarra elétrica: uma sonoridade eletrizante (parte 1). Blog C4, Campinas, NICS; UNICAMP, 01 abr. 2022. ISSN: 2764-5754. Disponível em: <https://unicampc4.blogspot.com/2022/04/guitarra-eletrica-uma-sonoridade.html>