A relação entre música e cultura surda

Leonardo Arruda

leonardoaugusto.info@gmail.com

http://lattes.cnpq.br/1593717382092364



A música é uma atividade que está presente nas mais diversas situações da vida humana, sendo um meio de expressão de sentimentos e ideias, além de permitir recordar momentos marcantes  e provocar alterações de humor. Além disso, a música se manifesta nas batidas do coração e no corpo. Sendo assim, a música é um meio de comunicação significativo na interação entre seres humanos (PEREIRA, 2016; FORNARI, 2019).

Símbolo do grupo "Batuqueiros do Silêncio"

Existem pessoas que acreditam que os Surdos1 são impossibilitados de apreciar a música, e também que esses indivíduos são incapazes de aprender música. Porém, tais crenças do senso comum são facilmente desmentidas ao nos depararmos com pessoas surdas em projetos de educação musical inclusiva, sem dizer da existência de musicistas surdos, como é o caso da percussionista internacional Evelyn Glennie e a professora de teclado Sarita Araújo Pereira da UFMG.
Assim como os ouvintes usam o sentido da audição para apreciar a música, as pessoas surdas utilizam outras vias sensoriais com a mesma finalidade. No caso dos surdos, eles conseguem sentir as vibrações sonoras em partes do corpo por meio  da pele. Por exemplo, no trabalho realizado por Pereira (2016), alguns entrevistados surdos relatam sentir as frequências mais graves nos pés, braços e pernas; e as mais agudas no peito, pescoço e rosto. Conforme Borchgrevink (1991, p.62), “não ouvimos com o nosso ouvido. Ouvimos com o cérebro. O ouvido simplesmente converte ondas sonoras (vibrações) em impulsos nervosos: a linguagem do cérebro”. Bang comenta que:

Essas vibrações [...] podem conduzir ritmos, sons e sequências melódicas e causar à pessoa surda reações que levem-na a atividades de grande importância. Os ritmos e sons, por assim dizer, são vivenciados dentro da pessoa como vibrações ligadas à audibilidade (de maneira sinestésica e auditiva, em vez de visual) e causam no deficiente auditivo uma vontade espontânea de transformar a influência rítmico-musical percebida em formas pessoais de expressão, tal como: movimento, imitação, fala e canto. (BANG, 1991, p. 25)

No Brasil, embora sejam pouco divulgados nas grandes mídias, existem grupos musicais compostos exclusivamente por pessoas surdas, com professores que utilizam a ressonância de instrumentos (vibração) para conduzir esses integrantes, junto com orientação visual, para que possam se manter alinhados ritmicamente. Seguem abaixo alguns grupos e musicistas surdos nacionais e estrangeiros: 

  1. Banda Ab’Surdos:2 grupo musical de estudantes surdos e ouvintes do Conservatório Estadual de Música Cora Pavan Capparelli (Uberlândia – MG); 

  2. Banda Surdodum:3 grupo musical de Brasília composto por surdos e ouvintes em um projeto de inclusão musical; 

  3. Batuqueiro do Silêncio:4 projeto com surdos que utiliza um dispositivo visual (lâmpadas e alfabetos visuais-musicais) para vivenciar a música popular brasileira (Recife - PE); 

  4. Banda Música do Silêncio:5 projeto de música com Surdos e ouvintes realizado em escolas municipais da cidade de São Paulo capital; 

  5. Evelyn Glennie:6 percussionista escocesa;

  6. Shawn Dale Barnett:7 músico norte-americano, primeiro músico surdo a ser reconhecido pela emissora MTV americana;

Signmark:8 artista de rap finlandês.

Além desses projetos, também há eventos que visam proporcionar a sensação da música de maneira multissensorial para pessoas surdas. O evento SenCity foi criado por uma companhia holandesa chamada Skyway Foundation e já teve edições na Bélgica, Finlândia, Espanha, México, Jamaica, África do Sul e Austrália. Em 2013, foi realizada uma edição desta festa em território brasileiro, em específico, na cidade de São Paulo (SENCITY, 2013).

A estrutura utilizada para proporcionar a experiência multissensorial nesse evento é baseada em uma pista com recursos tecnológicos que vibram com as frequências emitidas pelos sons, principalmente as frequências graves. Há uma bateria com videomapping, projeções de imagens em concordância com as batidas feitas nos instrumentos, e conta com um fibroblaster, que transmite as vibrações dos sons quando encostado ao corpo. Também são encontrados ao redor do espaço dispositivos aromajockey9, que emitem aromas durante a festa para maior imersão das pessoas.

Dessa maneira, o evento SenCity é um exemplo de que recursos tecnológicos aplicados de maneira correta permitem que Surdos apreciem a música como qualquer outro ouvinte. Dessa forma, para o meu próximo artigo, apresentarei alguns dispositivos tecnológicos existentes que buscam acessibilizar a música para as pessoas com surdez. Viva a acessibilidade! Até a próxima.


Referências Bibliográficas

BANG, C. Um mundo de som e música. In: RUUD, Ever (Org.). Música e saúde. São Paulo: Summus, 1991. p. 19-34. 
BORCHGREVINK, H. M. O cérebro por trás do potencial terapêutico da música. In: RUUD, E. (Org.) Música e saúde. São Paulo: Summus, 1991, p.57 -86. 
FORNARI, José. “Da música à musicologia”. Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas. ISSN 2526-6187. Data da publicação: 2 de janeiro de 2019. Link: <https://www.blogs.unicamp.br/musicologia/2019/01/02/1/>
FERNANDES, Sueli. Educação de Surdos. Curitiba: InterSaberes, 2012. (ISBN 978-85-8212-013-2).
PEREIRA, Sarita Araujo. A utilização de tecnologia para ampliar a experiência sonora/vibratória de surdos. 2016. 116 f. Dissertação (Mestrado em Artes) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2016. DOI http://doi.org/10.14393/ufu.di.2016.548
SENCITY. In: EIJI, H. Cultura surda. 2013. Disponível em: <https://culturasurda.net/2013/04/01/sencity-sao-paulo-2013/>.


Como referenciar este artigo:

ARRUDA, Leonardo. "A relação entre música e Cultura Surda". Blog C4, Campinas, NICS; UNICAMP, 20 maio 2022. ISSN: 2764-5754. Disponível em: <https://unicampc4.blogspot.com/2022/04/guitarra-eletrica-uma-sonoridade_68.html>