A música e algumas relações imprescindíveis com o homem

                            

José Simião Severo

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A música é utilizada para expressar sentimentos distintos, satisfazer diferentes necessidades emotivas, esportivas e até mesmo para nos direcionar a  estados de espírito específicos, por exemplo, meditação, dormir, dentre outros (TURINO, 2008).

A relação música/homem pode ser compreendida por meio de diversas maneiras. Destaco aqui três dimensões: plano emocional, racional e corporal. O emocional se refere à música que mexe com nosso sentimento, e por vezes nos leva a lembranças e/ou local que passamos ou vivemos.


Imagem 1. Fonte:https://pixabay.com/pt/photos/adulto-m%c3%basica-ouvindo-som-mulher-3086302/


 O racional pode favorecer melhor aos músicos no sentido de os mesmos terem certas vivências que disponibilizam uma percepção mais técnica musical, sendo automaticamente induzidos a pensarem nos aspectos rítmicos, melódicos, escalas utilizadas, forma musical, dentre outros. 



 Imagem 2. Fonte: https://pixabay.com/pt/photos/piano-partituras-m%c3%basica-teclado-1655558/


   Entretanto, é oportuno mencionar que o racional não é específico apenas dos músicos, uma vez que qualquer pessoa pode estudar teoria musical e história da música, por exemplo, e extrair conteúdos por meio da apreciação.

Já o corporal, pode direcionar o ouvinte ao ato de dançar. Embora essa dimensão possa contemplar melodia e harmonia, por vezes, podemos notar que determinadas músicas não são compostas com melodia,  harmonia e ritmos complexos, a exemplo dos hits do momento. 



       Imagem 3Fonte:https://pixabay.com/pt/photos/pessoas-garotas-dan%c3%a7ando-dan%c3%a7a-2605906/


Cada pessoa pode significar uma determinada música de forma diferente das outras pessoas, conforme suas experiências culturais musicais. Assim sendo, determinados valores atribuídos às músicas ocorrem por conta de sua trajetória sociocultural e das referências que ele coloca em funcionamento em contato com ela. Para Bakhtin (2016, p. 76) um signo pode ser interpretado por experiências distintas das de suas origens e, assim, é possível afirmar que não existe uma única maneira de interpretar um determinado signo.

Nesse sentido, ouvir e compreender uma obra musical implica o diálogo entre visões de mundo por vezes muito diferentes. Assim, se estabelece uma relação dialógica entre músico e receptor por intermédio do enunciado musical e este enunciado será interpretado a partir de referências que podem ser mais ou menos próximas daquelas da sua origem.

A racionalidade implica uma contextualização, levando em consideração que há muito para se compreender na música além da técnica e virtuosidade.  A depender do estilo e intenção do compositor e/ou intérprete, a música pode  conter  ironia ou sarcasmo, contemplando ou não aspectos melódicos, harmônicos e poéticos musicais de alta complexidade. De fato, a música pode disponibilizar outros aspectos representativos para cada pessoa. Por exemplo, o conceito de Índice de Thomas Turino: quando a música leva a uma determinada pessoa, lugar ou momento a qual faz conexão direta com uma realidade que passou (TURINO, 2008, p. 8-9). 

É compreensível que a música seja bela sem evocar alguma emoção ao ouvinte. Entretanto, ao tratarmos a música como expressão e comunicação, ela pode nos causar alguma reação e/ou atenção, seja emocional, racional ou corporal. Para Levitin “[...] o som é uma imagem mental criada pelo cérebro em reação às moléculas em vibração (LEVITIN, 2021,  p. 43)”. Nessa perspectiva, Sacks afirma que


É assombroso ver indivíduos mudos, isolados, confusos animarem-se com a música, reconhecê-la como familiar e começar a cantar [...]. É ainda mais assombroso ver uma dúzia de pessoas com demência — cada uma delas em um mundo ou não-mundo próprio, aparentemente incapaz de qualquer reação coerente, que dirá de interações — reagirem à presença de um musicoterapeuta que começa a tocar música na presença delas. Prestam uma súbita atenção: doze pares de olhos distraídos cravam-se no músico. Pacientes entorpecidos tornam-se alertas e perceptivos, os agitados acalmam-se. É extraordinário que seja possível ganhar a atenção de tais pacientes e mantê-la por minutos a fio. Além disso, costuma ocorrer um envolvimento específico com o que está sendo tocado (é comum, nesses grupos, tocar músicas antigas que todos de uma mesma faixa etária e de origem semelhante possam ter conhecido) (SACKS, 2007, p. 193).


Cada pessoa leva consigo experiências particulares que podem desencadear entendimentos e relações específicas em relação a uma mesma obra musical. Sobre isso, Nogueira, (2006, p. 1) discorre que “[...] o entendimento musical é, em termos globais, uma atividade cognitiva inseparável da experiência da música”. Diria que até associável e indispensável ao ser humano. A propósito, a relação que cada música pode disponibilizar tem a ver com seus contextos de criação e vivência, pois, segundo Green (2012, p. 63), “nenhuma música pode ser percebida como música em um vácuo social”. Dessa maneira, é possível reconhecer que os aspectos históricos e socioculturais estão atrelados a diversas possibilidades da relação entre música e homem. 

Resumindo, embora a música possa evocar sentimentos e proporcionar estímulos ao ser humano, cada pessoa os sente conforme sua vivência. Por se tratar de sons, sentimentos e maneiras específicas de cada indivíduo e/ou comunidade, a música pode ser considerada uma forma abstrata de mostrarmos uma visão de mundo. Por outro lado, embora um compositor possa buscar intenção em direcionar o ouvinte para determinados aspectos imaginários, por exemplo, o poema sinfônico, como uma obra de caráter musical baseada em texto literário onde o compositor busca relacionar os aspectos musicais a uma história, sempre cada indivíduo poderá imaginá-la com nuances específicos. Contudo, a música pode ser socialmente uma forma de comunicação, desde que se crie relações entre os nuances musicais e os indivíduos que interagem com eles.  Nessa perspectiva, a questão de considerar música como linguagem não está atrelado aos mesmos conceitos de linguagem oral, mas sim, a disposições que os indivíduos de uma comunidade ou grupos estão aptos a construírem tais relações significativas.


Referências

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra; notas da edição russa de Serguei Borcharov. -São Paulo: Editora 34,2016 (1' Edição).176 p.

BENASSI, C. A; VICTORIO, R. P. Música e Linguagem: da teoria dos afetos aos novos olhares através das “lentes conceituais bakhtinianas”. Revista Diálogos: linguagens em movimento. Caderno Música, Arte e Cultura. Ano II, N. I, 2014. Cuiabá: 2014.

GREEN, Lucy. Ensino da música popular em si, para si mesma e para “outra” música: uma pesquisa atual em sala de aula. Revista da ABEM, v.20, nº28, p. 61-80. Londrina, 2012.

LEVITIN, Daniel J. A música no seu cérebro (Nova edição): A ciência de uma obsessão humana. Objetiva, 2021.

NORONHA, Lina Maria Ribeiro de. A música como linguagem e os conceitos de música universal e música nacional. Anais do 10º Encontro Internacional de Música e Mídia, 2014. p. 59-71. 

NOGUEIRA, Marcos. Semântica do entendimento musical: o viés comunicacional. In: XVI CONGRESSO DA ANPPOM, ANAIS... Brasília, 2006, pp. 868-872.

SACKS, Oliver. Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro. Editora Companhia das Letras, 2007.

TURINO, Thomas. Music as Social Life: The Politics of Participation. Chicago: The University of Chicago Press, 2008. 


Outra fonte

Apostila de Análise Musical I do curso de Bacharelado em Música da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN).


Como citar este artigo:


SEVERO, José Simião. A música e algumas relações imprescindíveis com o homem. Blog C4, Campinas, NICS; UNICAMP, 09 setembro 2022. ISSN: 2764-5754. Disponível em: <https://unicampc4.blogspot.com/2022/09/A%20musica%20e%20algumas%20relacoes%20imprescindiveis%20com%20o%20homem%20.html>