Mary Hare School: uma escola que ensina música para crianças e adolescentes surdas


Leonardo Arruda

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É muito comum encontrar pessoas que acreditam que a educação musical de surdos seja um assunto contemporâneo. Entretanto, existem documentos que expressam o interesse por esse tema datados do século 19. De acordo com Darrow e Heller (1985), os primeiros defensores da educação musical para surdos foram William Wolcott Turner e David Ely Bartlett, que publicaram, em 1848, o artigo “Music Among the Deaf and Dumb” no American Annals of the Deaf and Dumb (atualmente American Annals of the Deaf) [1], revista da American Asylum for Education and Instruction of the Deaf and Dumb (agora American School of Deaf) em Hartford, Connecticut.

Nesse artigo, os autores defendiam o ensino da música para deficientes auditivos evidenciando seus argumentos com o estudo de caso de uma jovem surda que aprendeu a tocar piano. Segundo Darrow e Heller (1985), o artigo escrito por Turner e Bartlett é considerado a primeira declaração impressa de uma lógica e metodologia para o ensino da música para deficientes auditivos. Acredita-se, também, que essa publicação tenha se tornado um marco para o início de uma tendência que acabaria levando às atuais práticas de ensino de música para pessoas com deficiência auditiva em escolas públicas e instituições especiais (DARROW; HELLER, 1985). Nesse blog, apresentarei a escola especial britânica Mary Hare School [2], que há mais de 100 anos trabalha com a educação de crianças e adolescentes surdos, e que possui a música como uma disciplina acadêmica.

Em 1916, a educadora britânica Mary Hare (1865 - 1945) fundou uma escola oral para crianças surdas chamada de Dane Hollow School for the Deaf, localizada em Burgess Hill, West Sussex (RATNANATHER, 1966). Com o falecimento de Mary Hare em 1945, a escola foi reformulada e renomeada para Mary Hare Grammer School. Além disso, mudaram suas instalações para Arlington Manor, próximo a Newbury, Berkshire. A instituição foi acompanhada pela Lei de Educação de 1944 [3], que buscou atingir uma educação para todos, incluindo crianças surdas (RATNANATHER, 1996).

Atualmente, a Mary Hare School é considerada a maior escola para crianças e adolescentes surdos do Reino Unido. Além de ser uma escola diurna, também é um internato que acolhe e aloja estudantes entre quatro e dezenove anos. Os alunos vão para a escola na segunda-feira de manhã e voltam para casa sexta-feira à tarde. A Mary Hare School oferece formação desde o nível primário pelo programa Mary Hare Primary até cursos profissionais de pós-graduação em educação de surdos, audiologia e dispensação de aparelhos auditivos, através do programa Mary Hare Training Services, além de outros programas de formação que também são oferecidos.

De acordo com o site da Mary Hare School, os estudantes do primário ao ensino médio têm contato com disciplinas que ensinam o inglês, falado e escrito, educação física, francês, matemática, história, geografia, ciências, tecnologia, arte e música, entre outras matérias. A política de comunicação é a oral e não é usada a língua de sinais durante as aulas. Caso alguns alunos queiram, podem usar a língua de sinais britânica (LSB) fora da sala de aula. Como a maioria dos alunos que frequentam a instituição possuem implantes cocleares, eles são treinados a aprimorarem suas habilidades de fala, audição e comunicação. Se tratando da música, o ensino e treinamento do canto servem para aprimorar a fala. Abaixo encontra-se um vídeo de uma apresentação do coral de crianças da Mary Hare Primary. 





O artigo “Music for all”, disponível no site da Mary Hare School [3] , apresenta os trabalhos da musicista profissional, professora e artista visual Ruth Montgomery [5], realizados com crianças da Mary Hare Primary em conjunto com o departamento de Música da BBC. Em colaboração com a Ruth, estava uma violonista profissional que também é surda, chamada Eloise Garland. No artigo, foi apresentado o projeto de educação musical chamado “Bring the Noise”, desenvolvido para crianças de 4 a 7 anos com o objetivo de ensinar os conceitos básicos para se fazer música. 

Ruth nasceu com surdez profunda e começou a tocar flauta aos doze anos de idade. Enquanto frequentava a Mary Hare, estudou música e passou a compor, chegando a se graduar na Royal Welsh College of Music and Drama, em 2005. Mesmo Ruth ensinando música para ouvintes, ela argumenta que gosta de trabalhar a música com as crianças surdas porque acredita que elas podem desenvolver suas próprias habilidades musicais e que, inclusive, quando as crianças entendem a música, as habilidades de escuta seguem a partir dessa experiência. Durante a aplicação do projeto, Ruth trabalhou com as crianças a percepção de sons graves e agudos de instrumentos, além do treinamento de percepção rítmica. Foram usadas algumas músicas durante o projeto que culminaram com as crianças surdas interagindo com o que estavam ouvindo, chegando até a criarem suas próprias rimas. Para finalizar este blog, abaixo estão presentes algumas imagens da Ruth com as crianças e um vídeo mostrando a aplicação do projeto.

 

Figura 1 e 2- Ruth junto com uma criança surda com um tambor em mãos 


Fonte: https://www.maryhare.org.uk/blog/music-all





Notas 

[1] “Deaf and Dumb” é uma expressão obsoleta que era a descrição adequada da maneira como uma pessoa surda era percebida na Grécia antiga (EDWARDS, 1997).

[2] Site oficial da Mary Hare School. Disponível em: <https://www.maryhare.org.uk/>

[3] Lei de Educação (1994). Disponível em: <https://pt.frwiki.wiki/wiki/Education_Act_1944>

[4] Music for All. Disponível em: <https://www.maryhare.org.uk/blog/music-all>

[5] Ruth Montgomery. Disponível em: <https://www.ruthmontgomery.co.uk/>


Referências bibliográficas

DARROW, Alice-Ann; HELLER, George N.. Early Advocates of Music Education for the Hearing Impaired: william wolcott turner and david ely bartlett. Journal Of Research In Music Education, [S.L.], v. 33, n. 4, p. 269-279, dez. 1985. SAGE Publications. http://dx.doi.org/10.2307/3345253.


EDWARDS, M. L. Deaf and dumb in ancient Greece. 1997. The disability studies reader, 29(29), 35-36.


RATNANATHER, J. T. Mary Hare School: the national grammar school for the deaf. the National Grammar School for the Deaf. 1996. Disponível em: <https://www.cis.jhu.edu/~tilak/mhgs.html>. Acesso em: 11 nov. 2022.


TURNER, W. W. BARTLETT, D. E. Music Among the Deaf and Dumb. American Annals of the Deaf and Dumb 2 (Outubro 1848): 1-6.


Como citar este artigo:

ARRUDA, Leonardo. "Mary Hare School: uma escola que ensina música para crianças e adolescentes surdas". Blog C4, Campinas, NICS; UNICAMP, 11 novembro 2022. ISSN: 2764-5754. Disponível em: <https://unicampc4.blogspot.com/2022/11/mary-hare-school-uma-escola-que-ensina.html>