Uma breve história sonora dos games - parte 2

Vinicius Yglesias

viniciusyglesias.musico@gmail.com

http://lattes.cnpq.br/7940545685810813


Na primeira parte deste artigo, tratamos brevemente sobre a história das máquinas de arcade, as quais continham os primeiros games, assim como da função do áudio nestas. A seguir, falaremos sobre alguns aspectos cognitivos relacionados ao áudio dos games do período e seus aspectos no ambiente sonoro nos quais eram alocados.

A relação dos arcades com o conceito de paisagem sonora se apresenta no fator do áudio desses games ser relevante desde o primeiro game sonoro, que era divulgado anunciando que “os tiros de seus mísseis e explosões preenchem o ar com os visuais e sons de combate"1. Ou seja, o áudio dos primeiros games, nesse sentido, podem ser pensados como modificações intencionais (ainda que não necessariamente conscientes) no ambiente sonoro dos locais em que eram distribuídos.


Flyer de divulgação do Computer Space, primeiro game sonoro. Disponível em: <https://flyers.arcade-museum.com/?page=flyer&db=videodb&id=1530&image=2>. Acesso em: 01 nov. 2022.


Podemos notar que, assim como os primeiros games eram versões eletrônicas de jogos mecânicos existentes pelo menos desde a década de 1930, como as máquinas de pinball, seu áudio também possuía função semelhante, possuindo primordialmente a função de atrair mais consumidores.

Acredito que seja possível associar essa função do áudio dos games no período com a interação entre dois princípios cognitivos relacionados a uma paisagem sonora, a “similaridade variante” e a “valoração contrastiva” (contrastive valence).

A “similaridade variante”, conforme Fornari, Maia Jr. e Manzolli (2007), trata-se do fato de que a constante variação de uma paisagem sonora não apenas é facilmente identificada pelo ouvinte (em termos de suas similaridades acústicas), como também a torna expressivamente aprazível e assim imersível, enquanto a “valoração contrastiva”, de acordo com Huron (2006), se trata do prazer cognitivo que um indivíduo sente com a ocorrência de um evento inesperado, mas que se mostra inofensivo, como ocorre, na maioria das vezes, com surpresas evocadas por sons.

Para entendermos a relação entre esses dois princípios cognitivos com os games do período estudado, pensemos na situação de estar andando em um shopping center, um dos locais em que era comum encontrar esses arcades. A similaridade variante do ambiente sonoro desse shopping nos apresenta principalmente com sons de passos e sons vocais diversos, que em geral chamam pouca atenção. Entretanto, ao nos aproximarmos de um local desse shopping que possui um game, nossa valoração contrastiva pode ser ativada, tanto pela qualidade tímbrica distinta, sendo sons completamente sintéticos em meio a uma maioria de sons naturais, quanto pela imagem mental do game que poderia ser evocada apenas ao ouvir seus sons.

Por conta disso, retomando o conceito de Schafer (2011) e o argumento já realizado anteriormente, o áudio de games no início da mídia pode ser pensado como uma paisagem sonora que visava uma modificação intencional (ainda que não necessariamente consciente) do ambiente sonoro dos locais em que eram alocados, com o objetivo de atrair mais consumidores para esses locais.

O maior avanço para a criação de áudio para games no período foi a inclusão dos circuitos integrados de som (ROVERAN, 2017; CAPELLO, 2012), que trouxe inovações em relação ao áudio de games, e consequentemente, novas sonoridades para o ambiente sonoro nos quais eram alocados. Tais transformações serão aprofundadas na continuação deste artigo. Vejo vocês lá!.


Notas

1 The firing of your missiles and explosions fill the air with sights and sounds of combat. O anúncio pode ser observado em: <https://flyers.arcade-museum.com/?page=flyer&db=videodb&id=1530&image=2> Acesso em 01 jun 2022.


Referências

CAPELLO, Natália Monti. “Ambiente sonoro em jogos de computador: proposta de uma metodologia de análise. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas. Área de concentração em fundamentos teóricos. Campinas, 2012.

FORNARI, José. MAIA JR., Adolfo. MANZOLLI, Jônatas (2007). Composição de Paisagens Sonoras Digitais Através da Síntese Evolutiva.

HURON, David. Sweet anticipation: music and the psychology of expectation. Cambridge, MA: The MIT Press, 2006.

ROVERAN, Luiz Fernando Valente. Música e adaptabilidade no videogame: procedimentos composicionais de música dinâmica para a trilha musical de jogos digitais. Dissertação de Mestrado - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes. Campinas, 2017.

SCHAFER, R. Murray. (2011). A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora / R. Murray Schafer; tradução Marisa Trench Fonterrada. – 2.ed. – São Paulo: Editora Unesp. 382p.: il

 

Como referenciar este artigo:

YGLESIAS, Vinicius. Uma breve história sonora dos games - parte 2 Blog C4, Campinas: Nics; Unicamp, 01 nov. 2022. ISSN: 2764-5754. Disponível em: https://unicampc4.blogspot.com/2022/11/uma-breve-historia-sonora-dos-games.html