Os games musicais e a gamificação da performance musical – parte 2

Vinicius Yglesias

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Na primeira parte deste artigo, abordei brevemente a origem dos games musicais, desde sua relação com o karaokê, considerado como um importante predecessor, até a franquia de Guitar Hero e Piano Tiles, que alcançaram sucesso global nas respectivas plataformas em que foram lançados, desde consoles de mesa e computadores pessoais até os celulares. Nesta segunda parte, falarei sobre games que também utilizam tipo similar de jogabilidade, porém de maneira mais complementar, visto que ainda que a performance musical não seja o objetivo principal, ela possui papel relevante nesses momentos desses games.

De maneira geral, há duas situações em que é frequente o uso de elementos da jogabilidade de games musicais em games não musicais. A primeira e a mais comum delas ocorre nos chamados “minigames” (termo explicado adiante), e a segunda é em fases musicais de games não musicais.

Os minigames são literalmente games dentro de outros games (Therrien; Poremba; Ray, 2020), e geralmente são bastante curtos (Gibbons, 2017), visto que são criados como atividades rápidas e de pouca ou nenhuma relevância para o enredo principal do game. A brincadeira de esconde-esconde em Outer Wilds que mencionei no artigo anterior, por exemplo, é um minigame dentro desse game. Também é frequente que os minigames sejam de um gênero distinto do game dentro do qual ele se encontra, como o Gwent, que é um minigame de cartas que está dentro do game The Witcher 3: The Wild Hunt, do gênero de RPG (Hülkenberg, 2020; Zanarini, 2022), ou uma fase do game de plataforma Crash Bandicoot que aparece como um minigame no game de ação e aventura Uncharted 4: A Thief’s End (Notis, 2022).




Uma franquia que contém diversos minigames musicais é Yakuza, cujo enredo se concentra no protagonista Kiryu tentando se desvencilhar de seu passado como um membro de uma organização criminosa. Dentre os minigames disponíveis ao jogador, destaca-se o karaokê, no qual o protagonista pode cantar diversas músicas de gêneros populares da cultura japonesa (Borecky, 2022). Além disso, quando o protagonista entra no minigame junto com Haruka, sua filha adotiva, há a opção dele acompanhá-la nas músicas de maneiras diversas, como cantando a segunda voz, um contracanto, batendo palmas ou tocando algum instrumento musical de percussão como pandeiro ou maracas. Esses acompanhamentos atribuem um tom cômico ao minigame, mas ao mesmo tempo servem para aproximar o jogador dos personagens, que de acordo com Brown e Cairns (2004) é um elemento essencial para a imersão em games.





Uma variação deste minigame encontra-se em Yakuza 5, porém ao invés de um karaokê, ele ocorre em eventos que são chamados de “desafios de dança” (dance battles). No enredo deste game, Haruka está treinando para se tornar uma idol, tipo de celebridade popular na cultura japonesa que realiza performances musicais cantando e dançando, conhecidas por mobilizarem uma grande quantidade de fãs (Galbraith, 2020). Nestes desafios de dança, Haruka compete com outras personagens com o mesmo objetivo, e a jogabilidade, assim como no karaokê, consiste em pressionar os comandos mostrados pelo game no momento certo.



Em relação às fases musicais, são tipos especiais de fases ou cenários em alguns games em que, ainda que o jogador tenha controle do personagem, ele deve avançar em uma velocidade constante realizando comandos de acordo com os obstáculos da fase, como pular, desviar de inimigos etc, porém sem que esses comandos sejam diretamente mostrados na tela, como nos exemplos anteriores. O interessante desse tipo de fase é que os sons das ações realizadas no game se incorporam à trilha musical, diluindo a separação entre ela e o ambiente sônico do game, recurso que se assemelha à técnica de mickeymousing utilizada nas primeiras animações da Warner Bros, técnica essa que consiste na sincronização das músicas com ações observadas na tela (Whalen, 2004).



Um dos exemplos de game com fases musicais é o Rayman Legends, de 2013. Este é um game que se divide em 5 “mundos”, ou seja, 5 grupos de fases, dos quais no final de cada um deles há uma fase musical (Santos; Mielgo; Prado, 2020). Em três delas, tocam músicas originais do game, porém nas outras duas tocam versões das músicas “Black Betty”, da banda “Ram Jam”, e “Eye of the Tiger”, da banda “Survivor”.





Por fim, outro game com diversas fases musicais é Super Mario Maker e sua continuação, Super Mario Maker 2. Estes games se destacam por suas fases serem criadas pelos próprios jogadores com os recursos disponibilizados pelos desenvolvedores. Assim, as fases musicais desse game, que por vezes são versões de músicas conhecidas de outros contextos, são feitas a partir da apropriação dos timbres dos elementos do game organizados de maneira específica por um jogador para criar a música desejada, permitindo maior liberdade ao jogador, que ao invés de apenas jogar fases previamente criadas, pode fazer as suas próprias.



Dessa forma, na próxima parte deste artigo, falarei exatamente sobre games que ampliam a liberdade do jogador em relação ao uso dos recursos sonoros do game, tanto para performance musical, como nos games Super Mario Maker 1 e 2, quanto até mesmo para a composição de músicas próprias por parte do jogador.


Referências

BORECKY, Andrew James. PLAYING JAPAN THE TRANSNATIONAL CIRCULATION OF JAPAN IN CONTEMPORARY VIDEO GAME MUSIC. Master of Arts, Department of Music in the School of Arts and Sciences, 2022.

BROWN, Emily; CAIRNS, Paul. A Grounded Investigation of Game Immersion. In: CONFERENCE EXTENDED ABSTRACTS ON HUMAN FACTORS IN COMPUTING SYSTEMS, 4., 2004, Vienna, Austria. Proceedings... New York: ACM, 2004. pp. 1297-1300, 2004.

GALBRAITH, Patrick W. The Labor of Love: On the Convergence of Fan and Corporate Interests in Contemporary Idol Culture in Japan. In: GALBRAITH, Patrick W.; KARLIN, Jason G. (Ed.). Kinema Club, 2016.

GIBBONS, William. Music, Genre, and Nationality in the Postmillennial Fantasy Role-Playing Game. In: MERA, Miguel; SADOFF, Ronald; WINTERS, Ben (Ed.). The Routledge Companion to Screen Music and Sound, pp. 412-422, 2017.

HÜLKENBERG, Simon Cornelius. Monte Carlo Tree Search for imperfect information

games with the example card game ’Gwent’. Bachelor Thesis, Faculty of Computer Science, Hochschule Landshut, Hochschule für Angewandte Wisshenschaften, 2020.

NOTIS, Ari. How To Beat The Bizarrely Difficult Crash Bandicoot High Score In Uncharted 4. Kotaku, disponível em: <https://kotaku.com/how-to-beat-the-bizarrely-difficult-crash-bandicoot-hig-1848439884>. Acesso em: 31 ago. 2023.

SANTOS, Sara Seijas; MIELGO, Iván; PRADO, Mario Grande de. RITMO Y VIDEOJUEGOS EN PRIMARIA: RAYMAN LEGENDS. Alea Jacta Est no. 3, Revista on-line de gamificación, ABJ y serious games, 2020.

THERRIEN, Carl; POREMBA, Cindy; RAY, Jean-Charles. From Dead-end to Cutting Edge: Using FMV Design Patterns to Jumpstart a Video Revival. The International Journal of Computer Game Studies, v. 20, no. 4, 2020.

WHALEN, Zachary Nathan. Play Along: video game music as metaphor and metonymy. Dissertação de Mestrado. University of Florida, 2004. Graduate School. Florida, 2004.

ZANARINI, Eugenia. How do the sounds and music of The Witcher games (The Witcher, The Witcher 2: Assassin of Kings, The Witcher 3: Wild Hunt) contribute to immersion and world-building? Master of Arts in Sound Design for Video Games, ThinkSpace Education, University of Chichester, 2022.


Como referenciar este artigo:

YGLESIAS, Vinicius. Os games musicais e a gamificação da performance musical – parte 2. Blog C4, Campinas: Nics; Unicamp, 19 set. 2023. ISSN: 2764-5754. Disponível em: https://unicampc4.blogspot.com/2023/09/os-games-musicais-e-gamificacao-da_0239378135.html