A relação entre a música e a cultura surda - Parte 2

Leonardo Arruda


        Neste blog, continuaremos os assuntos vistos em “A relação entre a música e a cultura surda - parte 1”. Aqui serão apresentadas ferramentas tecnológicas cuja proposta é de tornar acessível bem como entender o acesso à música para as pessoas surdas. Na primeira parte, discutimos que as vias táteis e visuais permitem que os surdos possam apreciar ou aprender música. De acordo com Shibata (2001), a sensação que o surdo tem ao sentir vibrações é similar à experiência de ouvir para alguém sem essa condição Dessa forma, algumas destas ferramentas que serão apresentadas abaixo foram desenvolvidas planejando o uso de ambas dessas vias sensoriais, enquanto que algumas priorizaram o uso somente de uma delas.


Figura 1 - David Eagleman apresentando o colete Vest.

Fonte: https://ideas.ted.com/how-to-hear-the-world-through-your-chest/



Touchingnotes II: Música para os sentidos

A proposta deste projeto foi desenvolver uma ferramenta computacional capaz de interpretar através de comandos do protocolo MIDI, notas musicais emitidas por um teclado musical digital e enviá-las para uma pulseira vibratória fixada no pulso de uma pessoa surda (Figura 2). Neste projeto, foi utilizado um microcontrolador gerenciado por um software, o qual era responsável por reconhecer as notas enviadas pelo teclado musical, mapear suas respectivas frequências, agrupá-las (caso fosse emitido mais de uma nota simultaneamente) e enviar essas informações à pulseira vibratória (MÜLLER, 2017). Além disso, essa ferramentas tem o mecanismo de controle de tom, permitindo transpor as oitavas do teclados, e controle de intensidade, que pode ser ajustado conforme o usuário surdo desejar. 


Figura 2 - Touchingnotes II

Fonte: https://sol.sbc.org.br/index.php/wie/article/download/13181/13034/


A pulseira vibratória era composta por um transdutor que converte energia elétrica em energia mecânica, na forma de vibrações, para a pele. De acordo com Müller (2017), a escolha de uma pulseira acoplado no pulso é por esta região ser uma parte sensível do corpo e por estarem localizados os principais receptores de vibrações, como corpúsculos de Pacini e de Meissner (LENT, 2014).

Para concluir, neste projeto, Müller (2017) argumenta que suas intenções para este projeto foram proporcionar às pessoas surdas a sensação de sentirem diversas notas simultaneamente, permitindo que identifiquem melodia, ritmo e harmonia. Portanto, além da ferramenta poder ser usada para lazer, também permite o desenvolvimento musical da pessoa surda.


Vest 

O projeto do colete Vest, desenvolvido pelo neurocientista Dr. David Eagleman consegue captar praticamente os sons ao redor da pessoa surda e transformá-los em vibração. Segundo Eagleman (2015), o cérebro humano é bastante eficiente para extrair padrões e dar significado às inúmeras informações eletroquímicas enviadas por nossos canais sensoriais (visão, audição, tato, olfato e paladar). Por isso, o colete Vest tem como objetivo converter os sons do meio externo em vibração para que pessoas surdas possam perceber e compreender qualquer informação sonora, inclusive a fala de outra pessoa. Dessa forma, este projeto também intenciona ajudar surdos a perceberem sons de modo não invasivo, como o implante coclear, por exemplo. Segue abaixo na Figura 3 o funcionamento do colete: 


Figura 3 - Colete Especial: Vest

Fonte: https://www.kickstarter.com/projects/324375300/vest-a-sensory-substitution-neuroscience-project


        Em sua apresentação no TEDx realizado em 2015, o neurocientista apresentou testes realizados com este colete em pessoas surdas. Os testes foram desde a identificação de palavras e frases, até a identificação de sons de instrumentos musicais (EAGLEMAN, 2015). Sendo assim, pode-se observar que este colete além de ser ergonômico para todos os tipos de pessoas surdas, também permite com que elas consigam interpretar os sons que os rodeiam, assim podendo ser utilizados em diferentes situações, tais como numa peça teatral, evento musical, restaurantes, entre outros.

Para finalizar este blog, notamos que a música é uma atividade essencialmente humana que pode fascinar pessoas de todas as origens socioculturais, faixas etárias, etnias e portadores de deficiências, inclusive as que não podem ouvir. Este trabalho apresentou brevemente algumas ferramentas tecnológicas cujo objetivo é proporcionar às pessoas com deficiência auditiva a experiência de sentirem a música seja pelo tato ou pela visão. Na próxima parte deste blog, apresentarei mais ferramentas que têm como objetivo proporcionar a experiência musical para pessoas surdas. Até o próximo post!


Referências Bibliográficas

EAGLEMAN, D. Podemos criar novos sentidos para os seres humanos? [S.I.: s.n], 2015. 1 vídeo (20 min). Publicado pelo canal TED. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4c1lqFXHvqI>. 

LENT, R. Cem Bilhões de Neurônios: Conceitos fundamentais de neurociência. Rio de Janeiro: Atheneu, 2004. LENT, R.

MÜLLER, V. G. TouchingNotes II: música para os sentidos. Rio Grande do Sul: Novas Edições Acadêmicas, 2017.

SHIBATA, Dean. Deaf People Sense Vibrations in Auditory Cortex. In: SCIENTIFIC ASSEMBLY AND ANNUAL MEETING OF THE RADIOLOGICAL SOCIETY OF NORTH AMERICA, 87., 2001, Chicago. UW Medicine Dean's Reports. Chicago: University Of Washington, 2001.

Como referenciar este artigo:

ARRUDA, Leonardo. "A relação entre música e Cultura Surda - parte 2". Blog C4, Campinas, NICS; UNICAMP, 17 junho 2022. ISSN: 2764-5754. Disponível em: <https://unicampc4.blogspot.com/2022/06/a-relacao-entre-musica-e-cultura-surda.html>