A relação entre a música e a cultura surda - Parte 3

Leonardo Arruda

leonardoaugusto.info@gmail.com

http://lattes.cnpq.br/1593717382092364 


No blog anterior, apresentei duas ferramentas que têm como objetivo trazer à pessoa com surdez uma experiência tátil do som. No presente blog, serão apresentados equipamentos voltados para auxiliar a educação musical de pessoas surdas.


Vibrato

Em 2005, Shane Kerwin desenvolveu a ferramenta Vibrato (Figura 1) com o objetivo de proporcionar às pessoas surdas a sensação da música “na ponta dos dedos’'. A estrutura desse dispositivo é simples, além de ser portátil por conta do seu tamanho. Ele possui cinco orifícios com almofadas para o encaixe dos dedos, que são ligadas a um único alto-falante e vibram conforme o som tocado (SOUSA, 2006; PEREIRA, 2016).

Figura 1 - Vibrato.


Fonte: https://www.bbc.com/staticarchive/68ee5a9004ac6e1433ac6add8d63e1a7c1a8ac4d.jpg


De acordo com Sousa (2006), este aparelho se baseia no princípio da sinestesia, pois, pelo tato dos dedos, simula as ondas sonoras que a audição humana capta no ar. As pontas dos dedos são particularmente sensíveis à vibração, razão pela qual é usada na leitura em braille. Basicamente, os pads vibram analogamente ao som da música, conforme esta é reproduzida no alto-falante, permitindo que as pessoas surdas percebam os seguintes parâmetros do som: frequência, amplitude, timbre e duração. Um detalhe importante desse equipamento projeto é que as vibrações das frequências mais graves são traduzidas por vibrações mais espaçadas, concentradas na ponta dos dedos, enquanto que as frequências mais agudas fazem a superfície do Vibrato vibrar rapidamente, concentrando as vibrações na palma da mão do usuário surdo.

Por fim, Sousa (2006) descreve que o objetivo do seu projeto foi o de acessibilizar a música para crianças, para que elas pudessem usufruir de aulas de música.


Cromo Tmusic 

O software Cromo TMusic (Figura 2), elaborado pelo musicoterapeuta Igor Ortega, surgiu como proposta de ferramenta computacional para ser utilizada em trabalhos da musicoterapia e educação musical e também para auxiliar nas áreas de cognição e percepção musical (ORTEGA, 2015a). 

Esse software tem como objetivo transformar as informações sonoras de uma música executada por um instrumentista em informações visuais, incluindo as propriedades e os parâmetros do som (timbre, altura, intensidade e duração), relacionando as notas musicais com cores e figuras rítmicas utilizadas pelo método de Partitura Colorida (Partitura Arco-Íris), de Wilmer (ORTEGA, 2015b apud WILMER, 1989).

 

Figura 2 - Software Cromo TMusic. 

Fonte: https://sol.sbc.org.br/index.php/wie/article/download/13181/13034/


A “Partitura Arco-Íris” (como é chamada pelo autor), implementada no Cromo TMusic, é uma proposta de Wilmer (1995) para facilitar a leitura e o aprendizado da partitura musical ocidental convencional. As representações gráficas são caracterizadas pela substituição das figuras rítmicas (semibreve, mínima etc.) por símbolos gráficos similares a “gotas” com formatos diferentes, que fazem referência a um grau de nota (Figura 3). 

Figura 3 - Figuras rítmicas da Partitura Colorida. 

Fonte: Ortega (2015b).

Além disso, há um modelo cromático aplicado em todas as tonalidades e escalas (menor, harmônica, melódica etc.), e a relação das notas musicais com as cores se dá por conta de suas funções harmônicas. Dessa forma, as cores são aplicadas aos graus da escala musical, e não nos tons musicais (Figura 4). 

Figura 4 - Figuras rítmicas da Partitura Arco-Íris.

Fonte: Ortega (2015b).


O Cromo Tmusic aderiu ao diagrama vertical, às figuras rítmicas (gotas) e ao modelo cromático da Partitura Arco-Íris de Wilmer. O software funciona com um teclado digital conectado a um computador, e conforme o usuário surdo pressiona as teclas do teclado digital, o Cromo TMusic identifica essas notas e as mostra em uma tela branca, conforme visto anteriormente na Figura 2


Musically Deaf (Minicurso: Musicalmente Surdo)

O Musically Deaf (MD) é um software de minha autoria, em colaboração com Gerson Abdala, também atual pós-graduando na área de acessibilidade musical para surdos. Eu realizei a arquitetura e a programação do MD, enquanto o Gerson atuou na prática pedagógica do equipamento. Esse software foi desenvolvido para produzir o minicurso intitulado Musicalmente Surdo, aplicado no XV Encontro de Educação Musical (EEMU) da Unicamp. O objetivo desse minicurso foi o de realizar uma atividade de criação musical com pessoas surdas e ouvintes em ambientes virtuais de ensino, utilizando sonoridades concebidas por objetos de fácil acesso, como garrafas de polietileno tereftalato (PET), copos de plásticos vazios (como os de requeijão), mãos batendo palmas e colheres de metal. O condicionamento rítmico de cada participante foi orientado pelo MD. Dessa  forma, conforme os usuários (surdos ou ouvintes) percutiam alguns desses instrumentos, o MD capturava essa informação sonora, identificava qual era a região de frequência daquele som e fornecia feedback visual no formato de um círculo com uma cor específica, que indicava se aquele instrumento estava soando numa região grave, média ou aguda. As divisões das regiões de frequências e cores usadas eram as seguintes:

  • Graves (vermelho): 150 Hz a 200 Hz;

  • Médio-graves e médios (verde): 350 Hz a 800 Hz;

  • Médios-agudos (azul): 800 Hz a 1500 Hz;

  • Agudos (amarelo): acima de 1900 Hz. 

O MD foi desenvolvido utilizando duas linguagens de programação: Pure Data e Processing. O modelo desenvolvido no Pure Data foi responsável por capturar toda informação sonora emitida pelos estudantes surdos e ouvintes quando tocavam algum dos instrumentos, verificar em qual região de frequência aquela informação estava e enviar um código de referência para o modelo programado no Processing. Esse dados de referência era recebido pelo Processing e, se representasse a região grave, por exemplo, aparecia um círculo vermelho na tela do programa, oferecendo um feedback visual da ação realizada pelo usuário. Cada um dos instrumentos utilizados atuava nas regiões de frequências que determinamos. Sendo assim, a garrafa PET atuava na região dos graves (entre 180 Hz a 200 Hz), o copo de plástico, na região dos médios-graves e médios (entre 450 Hz a 600 Hz), as palmas, na região dos médios-agudos (entre 900 Hz a 1300 Hz), e as colheres de metais, na região dos agudos (entre 2000 Hz a 2400 Hz). Isso permitiu que realizássemos uma atividade de composição coletiva com os estudantes surdos e ouvintes, determinando uma sequência rítmica e deixando eles aproveitarem o momento para interagirem com os demais colegas das salas. Abaixo está um momento da realização do minicurso Musicalmente Surdo (Figura 5): 

Figura 5 - Participantes surdos e ouvintes do minicurso Musicalmente Surdo interagindo com o Musically Deaf (MD).

Fonte: Abdala; Arruda (2021).



Referências bibliográficas:

ABDALA, G., ARRUDA, L. Musicalmente Surdo: uma experiência utilizando Tecnologia Assistiva remota para promover acessibilidade na educação musical de Surdos. In: ENCONTRO DO COLETIVO DE COMUNICAÇÃO, COGNIÇÃO E COMPUTAÇÃO C4, 2021, Campinas. 1º ENCONTRO DO COLETIVO DE COMUNICAÇÃO, COGNIÇÃO E COMPUTAÇÃO C4 2021, 2021.

ORTEGA, I. Musicoterapia e surdez: nova tecnologia. Jornal da Musicoterapia do Estado de São Paulo, São Paulo, 3. ed. ago. 2015a, p. 4 – 11.

ORTEGA, I. O uso da Partitura Colorida no Aprendizado Musical do surdo: contribuições e possibilidades. In: FÓRUM DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E GESTÃO, 9., 2015, Montes Claros. Anais [...] . Montes Claros: Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro, 2015b. v. 9, p. 1-9.

PEREIRA, Sarita Araujo. A utilização de tecnologia para ampliar a experiência sonora/vibratória de surdos. 2016. 116 f. Dissertação (Mestrado em Artes) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2016. DOI http://doi.org/10.14393/ufu.di.2016.548

SOUSA, A. P. Surdos ouvem música. 2006. Disponível em: <http://musicaemfanzeres.blogspot.com.br/2006/07/surdos-ouvem-msica.html>. Acesso em: 21 nov 2021.



Como referenciar este artigo:

ARRUDA, Leonardo. "A relação entre música e Cultura Surda - parte 3". Blog C4, Campinas, NICS; UNICAMP, 16 julho 2022. ISSN: 2764-5754. Disponível em: <https://unicampc4.blogspot.com/2022/07/a-relacao-entre-musica-e-cultura-surda.html>