Os eSports como ponto nodal de paisagens sonoras reais e virtuais

Vinicius Yglesias

viniciusyglesias.musico@gmail.com

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Murray Schafer (2011) define paisagem sonora como qualquer ambiente sonoro considerado como objeto de análise, podendo se referir tanto a ambientes sonoros reais quanto a ambientes sonoros abstratos, categoria na qual incluo aqui as paisagens sonoras dos videogames.

Os eSports, por sua vez, referem-se a games nos quais os jogadores competem entre si de maneiras diversas, muitas vezes em equipe, dependendo do game e do modo utilizado (EKDAHL, 2021). Embora a origem da atividade possa ser traçada para os arcades do início da década de 1980 (JIN, 2010), os eSports abordados aqui serão os que surgiram aproximadamente a partir do fim dos anos 2000 e na década de 2010, quando começaram a se consolidar como um dos fenômenos culturais mais significativos da indústria do entretenimento (Ibidem).

Partindo desse princípio, em geral há nos games uma divisão nítida entre o que é a paisagem sonora do game e a paisagem sonora real externa a ele, como sons do ambiente no qual o jogador se encontra. Entretanto, os eSports são uma categoria de games que pode tornar mais difusa essa separação, visto que são uma categoria na qual, em determinados gêneros, as paisagens sonoras reais (conversa oral com outros jogadores, comum nessa modalidade) e virtual (produzida pelos sons do game) estão sempre interagindo, sendo portanto um ponto nodal no qual ambas convergem, ainda que em níveis diferentes, de acordo com o gênero do game.

Essa interação ocorre devido à própria natureza dessa categoria de games, que em grande parte dos casos exige estratégia, organização e eficiência na comunicação entre os membros de equipe para que as partidas sejam bem sucedidas, motivo pelo qual esses games muitas vezes são jogados enquanto os jogadores se comunicam oralmente por meio de softwares externos, como o Discord,¹ criado justamente para essa finalidade.

Há diversos gêneros que poderiam estar inclusos, mas três dos mais populares são o Battle Royale, Multiplayer Online Battle Arena (MOBA) e o First-Person Shooter (FPS), dos quais vou falar abaixo.

No gênero Battle Royale, como Playerunknown’s Battlegrounds² ou Fortnite,³ a paisagem sonora virtual do game possui maior relevância, até mesmo maior do que a comunicação vocal, pois, por ser um gênero em que o objetivo é a sobrevivência em um campo aberto, em que o último jogador ou equipe a “ficar vivo” é o vencedor (CHOI; KIM, 2018; DEHPANAH et al., 2021), e a qualquer momento inimigos podem aparecer, a escuta é especialmente importante, com a comunicação externa sendo geralmente reservada a momentos críticos ou para a comunicação de informações específicas. Evidentemente, é um gênero que também abre mão de qualquer música extradiegética4 durante a maior parte dos momentos das partidas.




Já os games do gênero MOBA, como League of Legends5 ou Dota 2,6 no qual equipes geralmente de 5 jogadores competem entre si (YE et al., 2022), são relativamente menos dinâmicos e mais estratégicos, exigindo maior atenção do jogador aos acontecimentos gerais que ocorrem em todo o ambiente do game, fator possibilitado pela presença de um minimapa na parte inferior da tela do game.



Imagem de uma partida de League of Legends, na qual o minimapa, no canto inferior direito, está sempre visível a todos os jogadores para que possam agir de acordo com os acontecimentos que ocorrem em qualquer parte do cenário. Fonte:: <https://saintsathletics.com/news/2021/1/30/esports-saints-fall-to-ithaca-in-first-league-of-legends-match.aspx>.



Imagem de uma partida de Dota 2, na qual também é possível observar o minimapa, mas dessa vez no canto inferior esquerdo. Fonte: <https://saintsathletics.com/news/2021/1/30/esports-saints-fall-to-ithaca-in-first-league-of-legends-match.aspx>.

Como resultado, a música extradiegética se mostra mais presente durante as partidas, com temas melódicos que remetem a situações de guerra, enquanto a paisagem sonora virtual do game tem significativamente menos relevância, sendo mais relevante para um bom desempenho a comunicação sonora por voz ou por meio das mecânicas proporcionadas pelo game, do que a escuta da paisagem sonora diegética.

O gênero do FPS, no qual o movimento e as ações são vistos do ponto de vista de primeira pessoa (YUN et al., 2021), abarca tanto games que buscam certa aproximação com a realidade, como Counter-Strike: Global Offensive7, como games com mundos fictícios próprios, como Overwatch.8 Este é um gênero dinâmico, que exige reflexos mais rápidos. Nesse contexto, portanto, os sons transdiegéticos9 (conceito explicado em artigo anterior) são quase unânimes. A paisagem sonora do game, representada pelos passos dos personagens, os sons de movimentos, tiros, explosões ou sonoridades relacionadas a magias, exige que o jogador altere a todo momento seus movimentos em resposta à paisagem sonora, enquanto a comunicação com a equipe, na paisagem sonora real, representada pelas vozes de seus companheiros, exige do jogador reflexos rápidos em sua movimentação no mundo do game.



Nesse contexto, talvez seja possível falar até mesmo de uma paisagem sonora transdiegética, na qual já não há a separação entre o som real e o virtual, visto que todo o ambiente sonoro durante as partidas conflui para transformações dinâmicas constantes no mundo virtual desses games. Inclusive, é comum, em partidas de games do gênero, que não haja qualquer música extradiegética para evitar perda de foco do jogador.

Podemos perceber como as paisagens sonoras real e virtual interagem de maneiras diversas nos eSports, de acordo com os gêneros dos games jogados. Enquanto no Battle Royale a escuta da paisagem sonora virtual é essencial, visto que só há uma chance para vencer, no MOBA, a relevância da paisagem sonora virtual do game se torna significativamente atenuada, já que a comunicação externa para criação de estratégias em muitos casos é suficiente. Já no FPS, há o maior equilíbrio entre os ambientes sonoros, visto que o dinamismo do gênero faz com que tenham relevância equivalente, criando uma paisagem sonora que transcende o real e o virtual.


Notas

1 Disponível em: <https://discord.com/>. Acesso em: 21 jun. 2022.

2 Disponível em: <https://store.steampowered.com/app/578080/PUBG_BATTLEGROUNDS/>. Acesso em: 21 jun. 2022.

3 Som extradiegético é aquele que existe apenas para o jogador, não sendo escutado pelo protagonista.

4 Disponível em: <https://www.epicgames.com/fortnite/pt-BR/home>. Acesso em: 21 jun. 2022.

5 Disponível em: <https://www.leagueoflegends.com/pt-br/> . Acesso em: 21 jun. 2022.

6 Disponível em: <https://www.dota2.com/home>. Acesso em: 21 jun. 2022.

7 Disponível em: <https://store.steampowered.com/app/730/CounterStrike_Global_Offensive/>. Acesso em: 21 jun. 2022.

8 Disponível em: <https://playoverwatch.com/pt-br/>. Acesso em: 21 jun. 2022.

9 Som transdiegético é aquele que ultrapassa o espaço narrativo que o origina, como uma música extradiegética em um game de terror que faz o protagonista tomar uma atitude, por meio da ação do jogador, ou como uma fala de um personagem de um game direcionada diretamente para o jogador, o fazendo tomar uma ação também, como em situações de quebra da quarta parede. (cf. Jørgensen, 2007, Yglesias, 2022).



Referências

CHOI, GyuHyeok; KIM, Mijin. Gameplay of Battle Royale Game by Rules and Actions of Play. IEEE 7th Global Conference on Consumer Electronics (GCCE). Department of Visual Contents. Graduate School of Dongseo University. Busan, South Korea, 2018.

DEHPANAH, Arman et al. The Evaluation of Rating Systems in Team-Based Battle Royale Games. School of Computing DePaul University. Chicago, USA, 2021.

EKDAHL, D. The Embodiment of eSports – Crossing the Gap Between Physical and Virtual, Department of Sports, Science and Clinical Biomechanics (PhD Thesis), doi: 10.21996/221c-kt65, 2021

JIN, Dal Yong. Korea’s Online Game Empire. Massachusetts Institute of Technology, 2010.

JØRGENSEN, Kristine. ‘What are Those Grunts and Growls Over There?’ Computer Game Audio and Player Action. Tese de Doutorado. Copenhagen University, 2007. Section of Film and Media Studies. Department of Media, Cognition and Communication, 2007. 204p.

SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora / R. Murray Schafer; tradução Marisa Trench Fonterrada. – 2.ed. – São Paulo: Editora Unesp, 2011. 382p.: il

YE, Degeng et al. Supervised Learning Achieves Human-Level Performance in MOBA Games: A Case Study of Honor of Kings.  IEEE TRANSACTIONS ON NEURAL NETWORKS AND LEARNING SYSTEMS, VOL. 33, NO. 3, MARCH 2022.

YUN, Gyeore et al. Improving Viewing Experiences of First-Person Shooter Gameplays with Automatically-Generated Motion Effects. Pohang University of Science and Technology Pohang, Gyeongsangbuk-do, Republic of Korea, 2021.

YGLESIAS, Vinicius. A diegese sonora nas mídias audiovisuais - parte 2. Blog C4, Campinas: Nics; Unicamp, 08 jul. 2022. ISSN: 2764-5754. Disponível em: https://unicampc4.blogspot.com/2022/07/a-diegese-sonora-nas-midias.html


Como referenciar este artigo:

YGLESIAS, Vinicius. Os eSports como ponto nodal das paisagens sonoras real e virtual. Blog C4, Campinas: Nics; Unicamp, 29 jul. 2022. ISSN: 2764-5754. Disponível em: https://unicampc4.blogspot.com/2022/07/os-esports-como-ponto-nodal-de.html