Jogos mecânicos modernos: um upgrade na diversão à mesa - parte 1

Leonardo Porto Passos

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Atualmente, os games estão entre as principais formas de diversão. Em 2020, o número de jogadores de PC, consoles e games mobile somados chegou a 1,65 bilhão no mundo todo, ou seja mais de 20% da população global, mas esse número possivelmente é muito maior, já que foram contabilizados apenas games e downloads pagos, excluindo-se os games gratuitos, o que permite estimar que mais da metade da população mundial joga algum tipo de game (BOWN, 2021). A Pesquisa Game Brasil 2022 (GO GAMERS, 2022, p. 12) aponta que 74,5% da população brasileira joga algum tipo de game, e que os games estão entre as principais formas de diversão (84,4%) e entretenimento (76,5%).1 Seja nos computadores, nos consoles ou nos dispositivos móveis, os games estão em praticamente toda parte, nas mãos de pessoas de todas as idades. Assim, não é de se surpreender que seus “irmãos mais velhos”, os jogos mecânicos (clique aqui para ver meu último artigo no blog, “‘Jogos mecânicos’: uma proposta taxonômica”), também estejam em franca ascensão nos últimos anos, sendo resgatados, modernizados, redescobertos e reinventados mais e mais a cada dia. Um gênero que, apesar de não ser tão recente, vem se expandindo, o que é possível notar pela quantidade de lojas (físicas e online) especializadas, espaços para jogos (como bares e ludotecas), eventos e pela grande quantidade de jogos disponíveis no mercado, com uma variedade jamais vista antes.

Os jogos acompanham as comunidades humanas desde tempos remotos. É difícil indicar com exatidão quando e qual foi o primeiro jogo criado – lembrando que o historiador e linguista holandês Johann Huizinga (2012) defende que jogos são anteriores às sociedades humanas, portanto, precedem a nossa cultura, tendo em vista que outras espécies de animais já exerciam atividades lúdicas, por exemplo, ao brincarem de luta, com mordidas e arranhões controlados (um tipo de conduta com limites preestabelecidos, ou seja, regras), ou em brincadeiras do tipo pega-pega ou esconde-esconde, convidando-se para brincar por meio de padrões de atitudes e gestos. Mas sabe-se que jogos da antiguidade, como Senet (Egito), Jogo Real de Ur (Mesopotâmia), Jogo dos Vinte (Egito, Babilônia, Mesopotâmia e Pérsia) e Cinquenta e Oito Buracos,2 ou Cães e Chacais (Egito), surgiram há cerca de 5 mil anos (WHITEHILL, 2009, p. 58), mas é possível que tenham existido jogos ainda mais antigos.

Jogos mecânicos são aqueles em que o estado atual de jogo é visível na configuração das peças, cartas, dados poliédricos, miniaturas e demais utensílios ou dos corpos no espaço (caso dos jogos de gestos, como pedra, papel e tesoura, ou joquempô, jogado somente com uma das mãos, e detetive, jogado com piscares de olhos), e as regras precisam ser aprendidas, recordadas e mantidas pelos jogadores, ainda que possam ser negociadas e até revistas (DIAS; FARBIARZ, 2020, p. 912).

Com tantos milênios de história, é de se esperar que exista uma enorme variedade de tipos de jogos, cada qual com características próprias em termos de regras, componentes (ferramental), espaço, tempo etc. As possibilidades em relação a essas características é que constituem gêneros distintos de jogos mecânicos, e entre os principais tipos, estão os card games, os role-playing games (RPGs), os dice games, os miniature games e os jogos de tabuleiro (board games). Também chamados de jogos de mesa, ou tabletop games, são uma opção a mais, além dos videogames, para quem curte uma jogatina.

Os velhos jogos de sua infância, como Banco Imobiliário, War, Jogo da Vida, Detetive, certamente têm seu valor, mas podem ser considerados ultrapassados, pois sua dependência do fator sorte é muito grande, a rejogabilidade é baixa – já que são muito repetitivos – e oferecem poucas possibilidades estratégicas, e por conta disso tudo, a experiência que proporcionam é bastante limitada. Eis alguns pontos para delimitar precisamente o que são jogos mecânicos modernos (WICKISON, 2022; SOUSA, BERNARDO, 2019):

  • Possuem mecânicas de regras intrincadas e sofisticadas que proporcionam grande imersão imaginativa aos jogadores. Eles precisam tomar as decisões certas – geralmente difíceis – para conseguir vencer.

  • Existem vários caminhos para a vitória, pois os jogos utilizam sistemas de pontos que recompensam diferentes tipos de decisões. Isso faz com que o jogo ganhe muito em rejogabilidade, já que os jogadores podem explorar diferentes formas de vencer a cada partida.

  • O balanceamento é maior e nenhum jogador sai do jogo antecipadamente. Do começo ao fim, todos têm chances equilibradas de vitória. Nos jogos antigos, isso estava longe de ser verdade.

  • São jogos fluidos, com pouco tempo de inatividade. Para evitar demoras e momentos entediantes, alguns jogos estipulam que todos joguem simultaneamente. Mas mesmo nos jogos baseados em turnos individuais, os jogadores se mantêm ativos inclusive quando não é sua vez de jogar.

  • Os jogos não demoram demais e nem passam voando. O tempo médio de uma partida gira em torno de 45 minutos, o ideal para manter a atenção e não ficar maçante.

  • Por fim, a narrativa e o conceito gráfico são bem desenvolvidos e alinhados à experiência proporcionada pelo jogo. Boa parte dos jogos têm histórias interessantes a contar, com personagens e universos próprios que estimulam o aprofundamento no contexto do jogo.3

Obviamente, todas essas características se aplicam melhor aos bons jogos, desenvolvidos por designers de jogos experientes. Não é todo jogo moderno que é bem balanceado e bem estruturado, daí apresentam defeitos e equívocos que contradizem a lista acima. Assim, nem todo jogo moderno é um bom jogo.

Varemos mais sobre as variedades de jogos mecânicos modernos na segunda e última parte deste artigo. Até lá!


Notas:

1 Termos utilizados na pesquisa em questão. Consideramos aqui “diversão” como uma atividade alegre, que diverte, enquanto “entretenimento” seria um passatempo, uma distração.

2 Ver: <http://mysteriousuniverse.org/2018/11/4000-year-old-board-game-called-58-holes-discovered-in-azerbaijan/>.

3 Ver: <https://analoggamestudies.org/2019/06/book-review-storytelling-in-the-modern-board-game/>.


Referências:

BOWN, Alfie. Política, desejos e videogames: The Playstation Dreamworld. Tradução Alexandre Matias. São Paulo: Edições Sesc, 2021.

GO GAMERS. Pesquisa Game Brasil 2022: report gratuito. São Paulo: SX Group, 2022. Disponível em: <http://www.pesquisagamebrasil.com.br/pt/edicao-gratuita/>. Acesso em: 22 abr. 2022.

SOUSA, Micael; BERNARDO, Edgar. Back in the game: modern board games. In: ZAGALO, Nelson et al. (Eds.). Videogame Sciences and Arts, VJ 2019, Communications in Computer and Information Science, v. 1164. Springer, p. 72-85. DOI: <https://doi.org/10.1007/978-3-030-37983-4_6>.

WICKISON, Daniel. Modern board games: and why you should play them. BoardGameGeek, Sweepings, 31 jan. 2022. Disponível em: <http://boardgamegeek.com/blogpost/124992/modern-board-games-and-why-you-should-play-them>. Acesso em: 19 set. 2022.


Como referenciar este artigo:

PASSOS, Leonardo Porto. Jogos mecânicos modernos: um upgrade na diversão à mesa parte 1. Blog C4, Campinas: Nics; Unicamp, 23 set. 2022. ISSN: 2764-5754. Disponível em: <http://unicampc4.blogspot.com/2022/09/jogos-mecanicos-modernos-1.html>.