Relato de experiência na criação de áudio para o game "Submissão"

Vinicius Yglesias

viniciusyglesias.musico@gmail.com

http://lattes.cnpq.br/7940545685810813


O artigo de hoje será um relato de experiência relacionado aos primeiros experimentos na parte do áudio de um game do qual atuo na equipe de desenvolvimento aqui na Unicamp. O game (ainda sem título) trata-se de um projeto relacionado à disciplina DE625 - Seminários Avançados I, do departamento de Multimeios da Unicamp, ofertada pelos professores Alfredo Suppia e José Mario de Martino. Com esse relato buscarei expor como venho colocando em prática as ideias que tenho divulgado para o blog, assim como trazer algumas hipóteses em relação aos resultados esperados no game.

O game ainda encontra-se em fase de planejamento, e portanto, o relato a seguir refere-se apenas às primeiras ideias a partir do embasamento teórico ao qual tenho contato nas disciplinas da universidade e na pesquisa realizada para a dissertação.

Em uma sessão de brainstorming durante a primeira aula direcionada ao desenvolvimento do game, diversas ideias diferentes surgiram, desde um game de parkour1 até terror. No momento, os gêneros que estão prevalecendo são o de terror e investigação, cujo enredo trata-se de um estudante que, em busca do paradeiro de seu professor, deve enfrentar fantasmas com o uso de uma lata de spray para conseguir fugir deles.


Protótipo do mapa do game, o qual contará com uma sala de aula e um corredor onde ocorrerão os acontecimentos.



Decidi começar buscando uma melodia que pudesse servir como música tema do game, imaginando qual seria o primeiro som que o jogador escutaria quando iniciasse o game, em seu menu inicial.

Como ponto de partida, considerei uma melodia em modo menor, levando em conta os sentimentos de melancolia, tristeza e/ou solidão frequentemente associados a este. Conforme Huron (2006), intervalos frequentes neste modo, como a terça menor e a sexta menor são associados com instabilidade, peso e transição, sentimentos que considero coerentes com o enredo de suspense e investigação do game. Além disso, estudos como o de Kastner e Crowder (1990) demonstram que essa associação entre sentimentos considerados negativos e o modo menor não se trata apenas de um estereótipo, podendo ser observada em crianças pelo menos a partir de 3 anos de idade, sugerindo a existência de um fator evolutivo da espécie humana nessa associação.

Vale ressaltar que, conforme o próprio Huron alerta, o fator cultural não pode ser desconsiderado nessa percepção dos intervalos e modos musicais. Porém, como o público-alvo do game, a princípio, são os pares da universidade e do ambiente acadêmico, e mais amplamente jogadores brasileiros de maneira geral, todos (ou ao menos a maioria) indivíduos da cultura ocidental, é possível supor que a utilização desse estereótipo do modo menor, o relacionando a sentimentos mais melancólicos, terá a efetividade planejada no contexto do game.

O motivo principal parte de um pedal nas notas graves Dó1 e Dó0 de um piano que se repete a cada novo compasso, o qual possui durações variáveis, mas que seguem o padrão de 9/4, 10/4 e três compassos de 11/4. A variação nos compassos tem por objetivo tornar menos previsível os acontecimentos musicais, de forma a favorecer uma escuta repetida para compreensão total da trilha musical, e dessa forma evitar fadiga auditiva por parte do jogador. Acima do pedal, há uma melodia que se alterna entre as notas Ré6 e Mib6, mudando apenas suas durações. A utilização das notas nas regiões extremas do piano, aliada ao uso frequente de intervalos de segunda maior e terça menor em relação ao baixo, contribuem para gerar o clima de tensão desejado.

Motivo básico da trilha musical do game



Após a composição da melodia básica, e levando em conta o que venho pesquisando durante o mestrado e as discussões que venho levantando em meus artigos aqui do Blog C4, decidi experimentar materiais musicais menos tradicionais, buscando em bibliotecas de “efeitos sonoros”, como Sonniss e Soundly, inspirações para a composição musical.

A princípio busquei reforçar o pedal em Dó com um timbre de drone, que de acordo com Smalley (1986), é o correlato da nota pedal para a música eletroacústica. Este reforço ajuda a tornar a nota pedal menos repetitiva, novamente facilitando a escuta repetida, elemento necessário em um game. Também foram adicionados sons de passos e chuvas em momentos específicos, levando em conta a possibilidade do reaproveitamento dos mesmos materiais sonoros ou de materiais sonoros similares para os sons diegéticos do game.

Algumas influências que levei em conta no momento dessas escolhas foram o game Outer Wilds – como não poderia deixar de ser, devido à frequência com que falo dele aqui –, em que os insetos no início da trilha musical do game se tornam o som fundamental de sua paisagem sonora virtual quando o jogador começa a controlar o protagonista, e os trabalhos de Martin Stig Andersen, compositor e sound designer dos games LIMBO e INSIDE, além de compositor da trilha musical de Control.

Andersen, de acordo com entrevista concedida para Solberg (2016), afirma que sempre há uma qualidade musical na maneira com que mistura e estrutura os sons. Dessa forma, mesmo tratando-se apenas de sons de passos, o compositor sempre os aborda como um material musical.

Outra referência foi a cena do filme Eyes Wide Shut que apresentei em artigo anterior. Buscando uma abordagem similar, compus a melodia com pausas longas entre os fraseados, permitindo a inserção de outras sonoridades em seus intervalos, principalmente na sua repetição, para evitar que fosse apenas uma repetição literal do que já teria sido escutado anteriormente por um futuro jogador.


Melodia da trilha do game com o novo material musical


Como dito no início, estas foram apenas as primeiras ideias, as quais podem (e muito provavelmente irão) receber diversas modificações até a versão final. Espero poder atualizá-los em breve com novidades em relação ao game!



Notas

1 “Uma atividade na qual pessoas movem-se rapidamente em torno de edifícios e objetos em uma cidade enquanto performam saltos e outros movimentos hábeis” (FREE RUNNING, 2022). Disponível em: <https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/free-running>. Acesso em: 10 out. 2022.



Referências

FREE RUNNING. In: DICTIONARY, Cambridge Dictionary. Cambridge University Press, 2022. Disponível em: <https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/free-running>. Acesso em: 11 out. 2022.

HURON, David. Sweet anticipation: music and the psychology of expectation. Cambridge (EUA): MIT Press, 2006.

KASTNER, Marianna Pinchot. CROWDER, Robert J. Perception of the Major/Minor Distinction: IV. Emotional Connotations in Young Children. Music Perception: An Interdisciplinary Journal, vol. 8, no. 2, p. 189-201, 1990.

SMALLEY, Denis. Spectro-morphology and Structuring Processes. In: EMMERSON, Simon (ed.). The Language of Electroacoustic Music. The Macmillan Press Ltd, 1986.

SOLBERG, Dan (2016). The mad science behind inside’s soundtrack. Disponível em: <https://killscreen.com/previously/articles/mad-science-behind-insides-soundtrack/>. Acesso em: 25 set. 2022.


Como referenciar este artigo:

YGLESIAS, Vinicius. Relato de experiência na criação de áudio para um game de terror. Blog C4, Campinas: Nics; Unicamp, 11 out. 2022. ISSN: 2764-5754. Disponível em: https://unicampc4.blogspot.com/2022/10/relato-de-experiencia-na-criacao-de.html