Simulações de paisagens sonoras históricas na franquia de games Assassin’s Creed – parte 2

Vinicius Yglesias

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Em meu artigo anterior, apresentei o enredo geral dos games da franquia Assassin’s Creed, (AC), assim como alguns elementos de como o game busca simular como teria sido a paisagem sonora medieval no período em que ele se passa. Seguindo a ordem de lançamento dos games, no artigo atual trato de três games da franquia que contam com o personagem Ezio Auditore como protagonista histórico.

Após a recepção positiva de Assassin’s Creed (AC) em 2007, ano de seu lançamento, foram lançados três games nos quais o jogador acompanha a vida do novo protagonista histórico, chamado Ezio Auditore da Firenze, enquanto Desmond Miles manteve-se como protagonista contemporâneo. Os games são intitulados AC II, AC Brotherhood e AC Revelations, lançados respectivamente em 2009, 2010 e 2011.



Em AC II, são apresentadas ao jogador localidades do período renascentista de territórios onde atualmente é a Itália, com as quais é possível interagir por meio de Ezio entre os seus 17 e 40 anos, aproximadamente. Algumas das principais localidades representadas no game são as cidades de Florença e Veneza, e nos momentos finais do game, também é apresentada a cidade do Vaticano. Porém, não é possível explorá-la livremente, visto que o local torna-se acessível apenas durante momentos específicos do game. Algumas figuras históricas com as quais é possível interagir virtualmente incluem Leonardo Da Vinci e Nicolau Maquiavel, ambos auxiliando Ezio na Ordem dos Assassinos, e o Papa Alexandre VI (Rodrigo Borgia), que se trata do vilão final do game.

Em relação à paisagem sonora renascentista, Atkinsons (2012; 2016) escreve que os sinais1 dos sinos perduraram como característica constante da paisagem sonora da Florença renascentista, regulando a rotina diária dos cidadãos. Além dos sons de sinos, o autor ainda menciona as sonoridades de rituais e cerimônias religiosas que eram realizadas cotidianamente na cidade de Florença durante o período renascentista. Um exemplo é apresentado por Muir (1981) quando descreve uma procissão de Corpus Christi na Veneza do final do século XV.



A partir dessas descrições, em AC II observa-se diferenças em relação a como a paisagem sonora renascentista é simulada no ambiente virtual do game. Na Florença representada pelo game, as sonoridades de sinos são raras, e predominam os sinais das vozes de arautos anunciando eventos diversos ocorrendo no ambiente virtual do game, comerciantes anunciando seus produtos, e por vezes sons de briga ou luta em alguma rua da cidade. Também é frequente sons fundamentais2 de pássaros e burbúrios de vozes diversas, representando um adensamento populacional na cidade. Sonoridades de orações religiosas são primordialmente escutadas no final do game, já na cidade do Vaticano. Outra mudança marcante, em relação ao primeiro game, é em relação à representação de sotaque dos personagens, devido, evidentemente, à mudança de localidade do Oriente Médio para Florença e Veneza, na Europa Ocidental. Vale destacar que essa simulação 

Contexto semelhante ocorre em AC Brotherhood, game seguinte da franquia. Seguindo a jornada de Ezio, o jogador dessa vez o acompanha no embate contra Cesare Borgia, filho de Rodrigo Borgia, vilão final do game anterior. Dessa vez, a maior parte do game se passa na cidade de Roma, além de contar novamente com o auxílio de Da Vinci e Maquiavel, também é possível interagir com Nicolau Copérnico em conteúdo extra do game.3

As sonoridades da simulação da paisagem sonora do game anterior mantém-se predominante neste game. Gruet (2019) descreve os sons vocais como o principal componente da paisagem sonora romana no período renascentista, não apenas em ambientes externos, como também em ambientes internos. Em AC Brotherhood, é possível perceber esse fator ao caminhar pela cidade de Roma e escutar os chamados de diversos comerciantes, assim como conversas aleatórias entre cidadãos comuns da cidade.


Por fim, o último game desta trilogia, chamado de AC Revelations, se passa em um contexto mais distante dos anteriores, poucos anos após o game anterior. Dessa vez, Ezio se encontra na representação virtual da Constantinopla do ano de 1511 (atual Istambul, capital turca). Seu objetivo nesse game é encontrar cinco chaves escondidas na cidade para abrir uma biblioteca construída por Altaïr (protagonista do primeiro game). Paralelamente, também é envolvido em um conflito entre o Império Bizantino e o Império Otomano4, sendo os Bizantinos ligados aos Templários, que estariam buscando retomar a cidade e evitar a expansão do império Otomano no enredo do game.

No ambiente sônico deste game, ou seja, em suas sonoridades diegéticas (YGLESIAS; CAMARGO; FORNARI, 2022), destaca-se a proeminência dos sons vocais, principalmente quanto ao retorno a um sotaque árabe devido à localização do game. Isso faz com que os diálogos e as conversas aleatórias ouvidas nas ruas e mercados da cidade adquiram características sonoras mais específicas desse game em contraste ao sotaque italiano dos idiomas anteriores, tornando-se marcos sonoros da representação de Constantinopla do game.

Conforme diz Aldo Sampaio, diretor de áudio do game. em documentário sobre o processo de desenvolvimento do game5, parte da equipe de desenvolvimento viajou para Istambul em busca de recriar a paisagem sonora da cidade no game. Vale destacar, entretanto, que conforme indica Strauss (2011), havia uma vasta diversidade de sotaques nas cidades otomanas já no século XIX, logo, é possível assumir que no período que o game retrata, tal diversidade também estivesse presente. Logo, embora a viagem a Istambul tenha permitido uma representação mais fiel da paisagem sonora da cidade atual no game, esta paisagem sonora atual não representa necessariamente como era a paisagem sonora do período retratado no game, séculos antes.


Por conta disso, torna-se importante ressaltar que esses sotaques, e de maneira geral quaisquer sonoridades retratadas nos games da franquia, assim como em games de maneira geral, derivam de interpretações contemporâneas desses períodos aplicadas de maneira a acentuar a imersão em um game (KOCIUBA, 2018). Entretanto, conforme será visto no artigo seguinte, a preocupação com a acurácia dos fatos históricos, assim como a busca de maneiras mais didáticas de apresentá-los, será uma constante cada vez mais presente nos games da franquia.


Notas

1 Sons realizados com o objetivo de serem escutados conscientemente (SCHAFER, 2011).

2 Sons ouvidos de maneira inconsciente, que ocorrem constantemente ao ponto de se tornarem "hábitos auditivos” (SCHAFER, 2011, p. 26).

3 Popularmente chamado de DLC, sigla para Downloadable Content (Conteúdo baixável). Refere-se a conteúdos adicionais incluídos posteriormente no game que em geral são vendidos separadamente do game original ou distribuídos gratuitamente. Tal conteúdo pode abarcar expansão da história, novas missões, personagens, ou novas artes visuais para personagens já existentes no game (cf. VALDOUR; HEINZE, 2020).

4 A fundação de Constantinopla no ano de 324 é considerada o início do Império Bizantino, o qual foi derrotado pelo Império Otomano em 1453 (ÁGOSTON; MASTERS, 2009).

5 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nBeWMzLCiSY>. Acesso em: 15 mai. 2023.


Referências Bibliográficas

ÁGOSTON, Gábor; MASTERS, Bruce. Encyclopedia of the Ottoman Empire. New York: Facts on File, 2009.

ATKINSON, Niall. The Noisy Renaissance Sound, Architecture, and Florentine Urban Life. Penn State University Press, 2016.

______. Sonic Armatures Constructing an Acoustic Regime in Renaissance Florence. The Senses and Society, v. 7, no. 1, pp. 39-52, 2012.

GRUET, Brice. Sound and sensorial landscape 114Early modern Rome as a full urban experience. In: LUCCA, Valeria De.; JEANNERET, Christine. The Grand Theater of the World: Music, Space, and the Performance of Identity in Early Modern Rome. London: Routledge, 2019.

KOCIUBA, Yara Teles. UMA ANÁLISE DAS TRILHAS SONORAS EM JOGOS MEDIEVAIS. XXVII Seminário de Iniciação Científica PUCPR, 2019.

MUIR, Edward. Civic Ritual in Renaissance Venice. Chichester: Princeton University Press, 1981.

SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora / R. Murray Schafer; tradução Marisa Trench Fonterrada. – 2.ed. – São Paulo: Editora Unesp, 2011. 382p.: il

STRAUSS, Johan. Linguistic diversity and everyday life in the Ottoman cities of the Eastern Mediterranean and the Balkans (late 19th–early 20th century). The History of the Family, v. 16, no. 2, pp. 126-141, 2011.


Como referenciar este artigo

YGLESIAS, Vinicius. Simulações de paisagens sonoras históricas na franquia de games Assassin’s Creed  – parte 2. Blog C4, Campinas: Nics; Unicamp, 13 jun. 2023. ISSN: 2764-5754. Disponível em: https://unicampc4.blogspot.com/2023/06/simulacoes-de-paisagens-sonoras.html