Simulações de paisagens sonoras históricas na franquia de games Assassin’s Creed – parte 4

Vinicius Yglesias

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No artigo anterior tratei das representações de paisagens sonoras históricas em Assassin’s Creed (AC III) e em AC IV: Black Flag, assim como da complexificação do enredo, abarcando principalmente questões sociais como a escravidão e o colonialismo do continente americano durante o século XVIII. No artigo de hoje, abordo os três últimos games da franquia, considerados como uma nova fase, na qual diversas modificações foram implementadas em relação aos games anteriores (TEIXEIRA, 2017). Os games abarcados neste artigo são AC Origins, AC Odyssey e AC Valhalla, os quais se passam, respectivamente, no Egito antigo, na Grécia antiga, e no período de expansão dos Vikings ao Oeste.



Em AC Origins, o jogador é apresentado à protagonista contemporânea Layla Hassan, que será mantida nos games posteriores. Em relação aos protagonistas históricos, há dois novos personagens fictícios, chamados Bayek de Siwa e sua esposa Aya, ambos controlados pelo jogador em momentos diferentes do game. Bayek é um Medjay, que se trata de um guarda de elite de Siwa (KEEFER, 2023), enquanto Aya atua politicamente junto a Cleópatra (SANTOS, 2022) para proteger o Egito tanto de ameaças internas quanto de externas, especialmente de Gregos e Romanos (BANKER, 2020). O game contou com a participação do historiador Maxime Durand como supervisor da construção de sítios arqueológicos do período (KAWAMINAMI, 2022).

Uma das novidades trazidas por AC Origins, que também é mantido nos games seguintes, é um modo chamado Discovery Tour. Nele, o jogador é guiado em uma espécie de turismo virtual pelos cenários de games. De acordo com Poiron (2020), uma das egiptologistas que compuseram a equipe, a ideia da criação dessa modalidade veio a partir da demanda de professores que tinham interesse levar os games da franquia para as salas de aula, porém isso era dificultado pela classificação indicativa e violência exposta no enredo e nas ações do game. Dessa forma, o Discovery Tour foi uma modalidade didática criada com este objetivo pedagógico.



Quanto ao ambiente sônico do game (conforme definido em artigo anterior), há uma vasta diversidade, visto que passa tanto pela pequena cidade de Siwa, na qual destacam-se sons fundamentais de vozes diversas, das carroças e outros animais do ambiente, quanto em templos sagrados, nos quais as vozes são mais baixas e práticas musicais religiosas tanto vocais quanto instrumentais podem ser observadas. Estes elementos se assemelham a algumas descrições de Manassa (2011) sobre a possível paisagem sonora do Egito antigo de nosso mundo, demonstrando a importância da precisão histórica buscada pelos desenvolvedores (CASEY, 2021).





Em AC Odyssey, próximo game da franquia, de 2018, é o primeiro game no qual é possível escolher o gênero do nosso protagonista histórico, entre os irmãos Alexios e Kassandra (SOMMERFELDT, 2022). A escolha, além de mudar o protagonista controlado pelo jogador, altera apenas o líder da Ordem dos Anciões, organização que enfrentamos no enredo do game, pois seu líder será o irmão que não foi escolhido como o protagonista. Esta organização é apresentada como a precursora da Ordem dos Cavaleiros Templários. Ao longo do game, interagimos com personalidades famosas da filosofia grega, como Sócrates e Hipócrates.




Em relação à paisagem sonora da Grécia antiga representada no ambiente sônico do game, Vandewalle (2019) destaca novamente os sea shanties. Uma novidade em AC Odyssey é que por conta da possibilidade da tripulação poder ser composta tanto de homens quanto de mulheres (opção que não havia em AC IV: Black Flag), as vozes dos sea shanties mudam de acordo com os indivíduos da tripulação, modificando o ambiente sônico do game nos momentos de navegação marítica de acordo com os membros da tripulação escolhidos pelo jogador.

Além dos sea shanties, conforme descreve Cole (2022), criaturas da mitologia grega como o Minotauro também aparecem como personagens inimigos no game, além da Medusa e ciclopes. Essas aparições fazem com que tornem-se mais frequentes o que Meneguette (2016) chama de sons criptofônicos, que tratam-se justamente de sons relacionados a criaturas fantásticas como seres mitológicos ou mesmo alienígenas em games. Por fim, Fernández-Cortés e Cook (2021) destacam a música instrumental apresentada na reprodução do Odeão de Péricles na modalidade de Discovery Tour do game.









Por fim, AC Valhalla leva o jogador de volta ao período medieval, porém desta vez apresentando o ponto de vista dos povos Vikings. O novo protagonista histórico deste game chama-se Eivor, que novamente pode ser tanto do gênero feminino quanto masculino, alterando-se apenas seu sobrenome (Eivor Varinsson ou Eivor Varinsdottir). O enredo concentra-se na tentativa de estabelecimento do clã de Eivor na Inglaterra desse período, durante o ano de 873 (ARON, 2021).

Um dos destaques em relação ao ambiente sônico do game é a presença de diálogo em inglês antigo, conforme destacado por Fletcher, Porck e Traxel (2022). Os autores trazem exemplos de como o idioma mantém-se vivo por meio de sua popularidade por meio de mídias audiovisuais, dentre elas a série Vikings e o game em análise, AC Valhalla. Em relação à trilha musical, Colliar (2022) menciona o uso de chifres de vaca na instrumentação como elemento que auxilia na acurácia histórica dessa trilha. Isso porque, conforme afirma Einar Selvik, um dos compositores da trilha musical do game, em entrevista concedida à autora, o chifre de vaca é um dos instrumentos mais antigos ainda em uso no norte da Europa.



Ao longo dos artigos sobre a franquia, observamos como os games da franquia Assassin’s Creed tornaram-se produtos cada vez mais diversificados em sua utilização, desde apenas um game de entretenimento em Assassin’s Creed, até recurso pedagógico para o ensino de história, culminando na criação do modo Discovery Tour, focado na exploração e estudo dos cenários e elementos do game do ponto de vista histórica apartado do enredo e da violência presente na história principal, fator que limitava seu uso nesse contexto.

A partir dessa diversidade de utilidades, busquei demonstrar como também podem ser tomados como objeto de estudo para a pesquisa sobre paisagens sonoras históricas, não os tomando como representações fiéis e inquestionáveis destas, mas identificando, dentro de seu contexto como mídia de entretenimento, de que maneira essas paisagens sonoras são retratadas e quais liberdades criativas são tomadas em relação ao conhecimento que temos de como teriam sido essas paisagens sonoras na realidade.


Referências Bibliográficas

ARON, Jacob. Assassin's Creed Valhalla review: Vikings marauders become nice. New Scientist. Disponível em: <https://www.newscientist.com/article/mg24933170-700-assassins-creed-valhalla-review-vikings-marauders-become-nice/>. Acesso em: 07 mai. 2023.

BANKER, Bryan. Black Egyptians and White Greeks?: Historical Speculation and Racecraft in the Video Game Assassin’s Creed: Origins. Humanities, v. 9, no. 4, 2020.

CASEY, Christian. Assassin’s Creed Origins Video Games as Time Machines. Near Eastern Archaeology, v. 84, no. 1, pp. 71-78, 2021.

COLE, Richard. Mashing Up History and Heritage in Assassin’s Creed Odyssey. Games and Culture, v. 17, no. 6, pp. 915-928, 2022.

FERNÁNDEZ-CORTÉS, Juan Pablo; COOK, Karen M. Ludomusicology: Normalizing the Study of Video Game Music. Journal of Sound and Music in Games, v. 2, no. 4, pp. 13-35, 2021.

FLETCHER, Rachel A.; PORCK, Thijs; TRAXEL, Oliver M. Early Medieval English in the Modern Age: An Introduction to Old English Medievalism. In: FLETCHER, Rachel A.; PORCK, Thijs; TRAXEL, Oliver M. (Ed.). Old English Medievalism: Reception and Recreation in the 20th and 21st Centuries. Suffolk: Boydell & Brewer, 2022.

KAWAMINAMI, A. A esposa divina de Amon em Assassin’s creed origins – a maldição dos faraós: ressignificados e implicações. R. Museu Arq. Etn. 38: 241-258, 2022.

KEEFER, Katrina HB. Becoming Bayek: Blackness, Egypt, and Identity in Assassin’s Creed: Origins. Games and Culture, v. 0, no. 0, pp. 1-19.

MANASSA, Colleen. Soundscapes in Ancient Egyptian Literature and Religion. In: MEYER-DIETRICH, Erika (Ed.). Laut und Leise: Der Gebrauch von Stimme und Klang in historischen Kulturen. Transcript, 2011.

MENEGUETTE, Lucas Correia. A afinação do mundo virtual: identidade sonora em jogos digitais. Tese de Doutorado. Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, 2016. Área de concentração em Tecnologias da Inteligência e Design Digital. São Paulo, 2016. 234p.

POIRON, Perrine. Assassin’s Creed Origins Discovery Tour: A Behind the Scenes Experience. Near Eastern Archaeology, v. 84, no. 1, pp. 79-85, 2021.

SANTOS, Nanci. Assassins and the Creed: A look at the Assassin’s Creed series, Ubisoft, and women in the video games industry. In: DRAYCOTT, Jane (Ed.). Women in Historical and Archaeological Video Games. Walter de Gruyter, 2022.

SOMMERFELDT, James. The Case for Archaeogaming and Affectiveness: Olympia as a Case Study in Assassin’s Creed Odyssey. Queen’s University, 2022. Área de concentração em Artes. Queen’s University, Kingston, Ontario, Canada, 2022.

TEIXEIRA, Victor Alcaíde. Review Assassin's Creed: Origins. Techtudo. Disponível em: <https://www.techtudo.com.br/review/assassins-creed-origins.ghtml>. Acesso em: 06 mai. 2023.

VANDEWALLE, A. Assassin’s Creed Odyssey: A Playable Version of Classical Greece. Tradução de Alexander Vandewalle. Griekenland’ in Hermeneus, v 91, no. 4, pp. 146-152, 2019.


Como referenciar este artigo

YGLESIAS, Vinicius. Simulações de paisagens sonoras históricas na franquia de games Assassin’s Creed  – parte 4. Blog C4, Campinas: Nics; Unicamp, 11 jul. 2023. ISSN: 2764-5754. Disponível em: https://unicampc4.blogspot.com/2023/07/simulacoes-de-paisagens-sonoras.html