Os games musicais e a gamificação da performance musical – parte 3

Vinicius Yglesias

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Nos dois artigos anteriores, abordei desde alguns dos primeiros games musicais, principalmente Guitar Freaks e Drummania, até algumas maneiras em que a jogabilidade dessa categoria de games foi utilizada em games não musicais. Dentre essas maneiras, destaquei seu uso especialmente em minigames, como o karaokê na franquia Yakuza, e em fases musicais, como algumas das fases do game Rayman Legends. No artigo de hoje, apresentarei games que expandem as opções dessa jogabilidade, buscando dar maior liberdade ao jogador em relação a esse aspecto, seja apenas em um trecho ou no game como um todo.

O primeiro caso que apresento é o de The Last of Us Part II, game de ação e aventura desenvolvido para o Playstation 4 que se passa em um cenário pós-apocalíptico devido a uma pandemia causada por um fungo (Rosenberg, 2022). Ao longo do game, o jogador controla duas personagens, chamadas Ellie e Abby, cada uma em uma metade do game aproximadamente.

Em momentos específicos da história, ocorrem minigames (termo definido no artigo anterior) nos quais o jogador, controlando Ellie, pode tocar um violão que encontra no cenário (Aguayo, 2022). O interessante desse minigame é que ao invés de tocar notas específicas em momentos pré-determinados, como nos minigames apresentados na parte anterior deste artigo, o jogador possui maior liberdade com o instrumento. Há três comandos que o jogador pode utilizar de maneira combinada para tocar:

  1. O touchpad do controle representa as cordas do violão, funcionando de maneira similar a uma tablatura, ou seja, a região superior representa a primeira corda (a corda mais aguda) e a região inferior representa a sexta corda. Dessa forma, ao deslizar o dedo pelo touchpad, é tocado um acorde em todas as cordas, porém ao encostar em uma região específica, é tocada apenas a corda referente àquela região;

  2. Os botões L1 e R1 do controle servem para selecionar o agrupamento de acordes que o jogador pode tocar. São ao todo 5 agrupamentos disponíveis, referentes aos campos harmônicos de Lá maior, Si maior, Dó maior, Ré bemol maior e Mi bemol maior, excluindo-se o sétimo grau de cada campo harmônico, restringindo as opções apenas a tríades maiores ou menores;

  3. O analógico esquerdo (left analog) é utilizado para escolher qual acorde tocar dentro de um agrupamento. Em cada agrupamento, cada acorde encontra-se em uma direção específica (direita, esquerda, acima, abaixo ou nas diagonais).



O vídeo abaixo apresenta um cover da música Hallellujah utilizando o violão do game, além de mostrar o funcionamento dos comandos do controle em determinados trechos.


O segundo caso apresentado é o de My Singing Monsters, game de 2012 publicado originalmente apenas para celulares, porém atualmente encontra-se disponível também para computadores. Ele se trata de um game de construção de mundo (world-building) no qual o jogador deve criar monstros cantores diversos para colocá-los em sua ilha (Tan; Katchabaw, 2022). Cada monstro possui um timbre e uma linha melódica específica que ao serem escutadas ao mesmo tempo formam uma música única, como se cada um fosse um instrumento de uma orquestra. O vídeo abaixo demonstra a construção da música da Plant Island, a primeira ilha do game.



Atualmente, há diversas ilhas no game, geralmente representando elementos naturais, como Cold Island, Air Island etc, e cada uma possui uma música própria, assim como alguns monstros específicos de cada ilha. Além disso, a qualquer momento, é possível colocar um monstro para dormir fazendo com que ele pare de cantar ou tocar, abrindo a possibilidade do jogador escutar separadamente cada timbre ou grupo de timbres de maneira isolada. Devido a esses elementos, é um game que, de acordo com Nonenmacher e Siqueira (2022), possibilita trabalhar diversos conteúdos musicais, desde canto coral a arranjo e improvisação.

Por fim, outro destaque desse game está na Composer Island, que como o nome indica, é uma ilha que concede ao jogador a possibilidade de utilizar os timbres de cada monstro para compor uma música própria ou um cover de uma música já existente, assim como é possível deixá-la disponível para a visita de outros jogadores por meio do próprio game.

A composição é criada em uma partitura tradicional na qual o jogador pode escolher a tonalidade, fórmula de compasso e o andamento. Entretanto, independentemente do registro da voz de um monstro, a partitura apresenta somente a opção da clave de sol. A tessitura disponível é de pouco mais de duas oitavas para todos os monstros, inclusive os que representam instrumentos de percussão, visto que, nesse caso, notas diferentes representam articulações diferentes no instrumento, como um rulo (roll) de caixa-clara no monstro chamado de Drumpler ou a diferenciação entre o chimbal e o prato de ataque de uma bateria no monstro Clamble.


No artigo de hoje, apresentei dois games que expandem os elementos da jogabilidade de games musicais com o objetivo de dar maior liberdade ao jogador em relação às possibilidades de performance musical dentro desses games, trazendo uma espécie de gamificação da performance musical para a mídia.

No minigame de The Last of Us Part II, observamos que é possível tocar o violão de maneira mais livre em relação a outros games musicais devido à combinação de comandos que ele possibilita para a realização de acordes e até mesmo dedilhados no instrumento. Já em My Singing Monsters, observamos que ele apresenta de maneira lúdica, por meio dos monstros cantores, um pouco do processo de criação de uma música, possibilitando a escuta isolada de cada timbre ou grupo de timbres e até mesmo a composição de uma música própria por parte do jogador, fatores que podem servir como incentivo para o aprendizado e prática conteúdos musicais por parte dos jogadores devido ao caráter lúdico do game.


Referências

AGUAYO, Laura Sánchez. Análisis de las opciones de accesibilidad en juegos Triple A: el caso de The Last of Us II y Horizon Forbidden West. Trabalho de Conclusão de Curso, Curso de Tradução e Interpretação, Departamento de Tradução e Comunicação da Universidade Jaume I. Castelló de la Plana, Espanha, 2022.

NONENMACHER, Tatiane Andréia; SIQUEIRA, Alysson. Jogos de celular como ferramentas do processo de musicalização. Repositório Institucional Uninter, Centro Universitário Internacional Uninter, 2022.

ROSENBERG, Simon. The Representation of Physical Books and Bookish Places inVideo Games:The Last of Us Part II. English Studies, v. 103, no. 5, pp. 690-705, 2022.

TAN, Jonathan; KATCHABAW, Mike. A Reusable Methodology for Player Clustering Using Wasserstein Autoencoders. In: GÖBI, B. et al. (Ed). Entertainment Computing – ICEC 2022. ICEC 2022. Lecture Notes in Computer Science, vol. 13477, 2022.


Como referenciar este artigo:

YGLESIAS, Vinicius. Os games musicais e a gamificação da performance musical – parte 3. Blog C4, Campinas: Nics; Unicamp, 03 out. 2023. ISSN: 2764-5754. Disponível em: https://unicampc4.blogspot.com/2023/10/os-games-musicais-e-gamificacao-da.html