Uma breve história sonora dos games - parte 1

Vinicius Yglesias

viniciusyglesias.musico@gmail.com

http://lattes.cnpq.br/7940545685810813


Kalen Collins (2008) trata da história do áudio nos games (jogos eletrônicos) em três períodos:

1 - de 1971, ano de lançamento de Computer Space!, primeiro game com som, a 1985, durante a era de ouro dos arcades, que, conforme definido em artigo anterior, tratam-se máquinas colocadas em espaços públicos como shoppings, estabelecimentos comerciais etc, contendo games para serem jogados a partir da inserção de uma moeda pelo consumidor.

2 - de 1985 a 1995, período em que os consoles domésticos ganharam maior popularidade;

3 - de 1995 a 2008 (ano de lançamento do seu livro), quando o avanço tecnológico permitiu maior complexidade na criação de áudio para games.

Nos próximos artigos, tratarei de cada um desses períodos tomando como ponto de partida o conceito de “paisagem sonora” de R. Murray Schafer, que originou, no final da década de 60, o World Soundscape Project, projeto de estudo de paisagens sonoras que se mantém ativos até os dias atuais. O conceito é definido pelo autor tanto como sinônimo de “ambiente sonoro” quanto como “qualquer porção de um ambiente sonoro tomado como campo de estudos” (SCHAFER, 1977; 2011). Portanto, a hipótese presente neste artigo e em suas duas partes seguintes é a de que cada período proposto por Collins (2008) destaca ao menos um aspecto específico do conceito de “paisagem sonora” trazido por Schafer.

Este artigo pode ser considerado um prequel1 de meu artigo Os eSports como ponto nodal de paisagens sonoras e virtuais, pois trarei, em cada um dos períodos mencionados, um pouco do embasamento que culminou na complexa teia de paisagens sonoras referidas nele.

Para o período de 1971 a 1985, tratado neste artigo, será considerado como “ambiente sonoro” a sonoridade dos locais nos quais os videogames (também chamados de arcades nesse período) eram alocados, enquanto a “paisagem sonora” estudada serão as sonoridades desses games e sua função nesse contexto.

Para falar do áudio de games nos primórdios da mídia, desde o ano de 1971, é necessário voltarmos algumas décadas para entendermos em qual contexto a mídia se desenvolveu e quais tecnologias possibilitaram que isso acontecesse.


Computer Space, o primeiro game sonoro. Fonte: The MIT Press Reader. Disponível em: <https://thereader.mitpress.mit.edu/before-pong-there-was-computer-space/>. Acesso em: 21 out. 2022.



Ainda no primeiro parágrafo de seu livro “Game Sound: An Introduction to the History, Theory, and Practice of Video Game Music and Sound Design”, de 2008, Karen Collins escreve que se os games tivessem pais, um deles seria o ambiente acadêmico da ciência da computação, e o outro seria a indústria de entretenimento dos arcades, máquinas que funcionavam por meio de moedas (ou coin-up machines), com especial crescimento em Las Vegas.

O crescimento das máquinas de arcade é descrito por Sterne (2003) como um dos primeiros meios pelo qual a escuta de sons gravados começou, ainda no final do século XIX. Conforme descreve o autor, os arcades eram máquinas em que pessoas que estavam de passagem, esperando um trem, por exemplo, podiam parar por um curto período de tempo, colocar uma moeda e ouvir uma curta música.

Entretanto, esse tipo de entretenimento se torna relevante para o presente com as máquinas surgidas na década de 1930, chamadas de pinball, um estilo de jogo mecânico que, conforme descreve Collins (2008), é jogado em uma mesa de vidro, em que uma bola é impulsionada em direção a pontos diferentes da mesa, cada qual com uma pontuação diferente, em que o objetivo era marcar o maior número de pontos possível.


Exemplos de máquinas de pinball. Fonte: Pinball Araras. Disponível em: <https://pinballararas.com/posts/5902883848182737023?hl=pt-BR>. Acesso em: 21 out. 2022.


Ao longo dos anos, diversas variações dessa máquina já possuíam sinos e outros elementos sonoros que anunciavam a vitória ou quase vitória do jogador, sendo confeccionados tanto para estimular sua permanência na máquina quanto para atrair novos jogadores.

Essa característica dos jogos de pinball seria transferida para suas versões eletrônicas quando as mesmas empresas que fabricavam essas máquinas (Williams, Gottlieb e Bally principalmente) adentravam ao mercado dos jogos eletrônicos, aqui chamados simplesmente de games (COLLINS, 2008).

Após esse breve histórico do surgimento dos arcades, tratarei, na parte seguinte do artigo, sobre a paisagem sonora formada por essas máquinas no período, aliando alguns conceitos de cognição musical à função do áudio da mídia nos locais em que essas máquinas eram alocadas.


Notas

¹ Um prequel refere-se a quando o enredo da sequência de uma franquia (seja ela de um game, livro ou filme) se passa cronologicamente antes do enredo contado em seu antecessor. De maneira análoga, o presente artigo, assim como suas sequências, tratará de um período anterior ao momento tratado em meu artigo sobre os eSports.


Referências

COLLINS, Karen. Game sound : an introduction to the history, theory and practice of video game music and sound design / Karen Collins. Massachusetts Institute of Technology. MIT Press. Cambridge, 2008. 204p.

SCHAFER, R. Murray. (1977). The soundscape: our sonic environment and the tuning of the world. Destiny Books. Rochester, Vermont.

STERNE, Jonathan. The Audible Past: cultural origins of sound reproduction. Duke University Press, 2003.


Como referenciar este artigo:

YGLESIAS, Vinicius. Uma breve história sonora dos games - parte 1 Blog C4, Campinas: Nics; Unicamp, 25 out. 2022. ISSN: 2764-5754. Disponível em:

https://unicampc4.blogspot.com/2022/10/uma-breve-historia-sonora-dos-games.html