Criando similaridade variante no ambiente sônico do protótipo do game “Submissão”

Vinicius Yglesias

viniciusyglesias.musico@gmail.com

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Em um artigo anterior, relatei sobre o início do processo de criação de áudio para o protótipo do game “Submissão” durante a disciplina DE625 - Seminários Avançados I no departamento de Multimeios do Instituto de Artes aqui da Unicamp. O projeto do game resultou em um protótipo que está disponível para ser jogado no Github, e no artigo de hoje apresento um pouco do processo de simulação de similaridade variante no ambiente sônico do game.




Conforme explicado no referido artigo anterior a partir de Fornari, Maia Jr. e Manzolli (2007), a similaridade variante é a característica dos sons de uma paisagem sonora de serem cognitivamente reconhecíveis como similares por pertencerem a um mesmo ambiente (floresta, cidade, universidade etc) ao mesmo tempo em que variam constantemente acusticamente, visto que nunca se repetem exatamente da mesma maneira. Quanto ao ambiente sônico, conforme Camargo (2022) e Yglesias, Camargo e Fornari (2022), se trata da porção da paisagem sonora virtual de um game constituída de sons diegéticos (GENETTE, 1982; GORBMAN, 1987; JØRGENSEN, 2007; MENEGUETTE, 2016; CAMARGO, 2018), que são os sons existentes dentro do mundo virtual do game, dos quais os personagens têm consciência da existência desses sons. Para este artigo, é tomado como exemplo os sons de passos do ambiente sônico desse game, visto que sua maior simplicidade permite uma exposição mais nítida dessas variações. Uma maneira de criar similaridade variante é por meio da síntese evolutiva de segmentos sonoros, conforme demonstrado por Fornari, Maia Jr. e Manzoli (2007). Neste artigo vou apresentar um pouco do processo de simulação de similaridade variante por meio de procedimentos utilizados diretamente na Unity, motor gráfico utilizado para a criação do game.

Um dos casos mais recorrentes de similaridade variante em games é nos sons de passos. Para o protótipo de “Submissão”, foram utilizados, para esses sons de passos, amostras da biblioteca de efeitos sonoros Soundly. A primeira decisão foi em relação a quantos e quais sons utilizar, pois de maneira geral, é preferível que seja utilizado mais de uma amostra para o mesmo tipo de som (nesse caso, som de passos), justamente para facilitar a simulação de uma similaridade variante. Evidentemente, é necessário que as amostras sejam similares o suficiente entre si para manter a sensação de que o personagem está caminhando pelo mesmo ambiente, que no caso de “Submissão”, trata-se de uma sala de aula e corredor de uma universidade.

Dessa forma, foram escolhidas seis amostras de sons de passos da biblioteca Soundly. Dois deles se mostraram muito longos em relação ao original; por conta disso, foi utilizado um efeito de fade out em cada um deles para que o tamanho fosse similar aos outros quatro. Em seguida, os arquivos de áudio foram implementados e programados no game de maneira que a cada vez que o passo do protagonista fosse escutado, uma amostra diferente fosse executada. Vale destacar que a utilização de diversas amostras trata-se de um primeiro passo, mas não configura ainda a simulação de fato.



A importância da similaridade nessa situação pode ser compreendida ao observarmos a comparação entre o uso de um única amostra e o uso desses seis diferentes amostras, respectivamente, nos vídeos acima. À direita do vídeo, abaixo de “Audio Source” e ao lado de “Audio Clip”, é mostrado o nome do arquivo de áudio sendo utilizado no momento. Enquanto no primeiro vídeo repete-se sempre o arquivo nomeado como “Passos3_1s_passos”, no segundo, varia os 6 arquivos tocados (Passos1_1s_passos, Passos2_1s_passos etc).

A partir da comparação, é possível identificar que o uso de diversas amostras já traz uma variabilidade que torna os passos do game mais próximos ao que seria a similaridade variante de uma paisagem sonora real, diminuindo uma possível estranheza que poderia ser causada caso fossem acusticamente idênticos. Entretanto, para se aproximar de uma simulação, é possível adicionar mais um procedimento para aumentar essa variabilidade, alterando sutilmente a altura (pitch) de cada arquivo de áudio cada vez que for tocado pelo game, conforme demonstrado no vídeo abaixo.



É possível observar no vídeo acima que o parâmetro “Pitch”, no canto inferior direito do vídeo, que se mantinha inalterado em 1 nos vídeos anteriores (sendo 1 o valor equivalente à frequência original do arquivo de áudio), dessa vez varia entre os valores de 0,8 e 1,2 a cada vez que um arquivo de áudio é tocado. Essa variação significa que cada vez que um arquivo de áudio é tocado, sua frequência (f) pode variar entre f * 0.8 e f * 1.2, fazendo com que mesmo que um arquivo de áudio se repita, seu resultado sonoro seja diferente. Isso garante algo próximo da similaridade variante que essas sonoridades teriam no mundo real, visto que dessa maneira, nunca (ou ao menos muito raramente) será repetida exatamente a mesma frequência no mesmo arquivo de áudio.

Referências

CAMARGO, Fernando E. Relato de experiência: elaboração da trilha sonora para o game Os Heróis do Diabetes. In: SBGAMES, 22., 2022, Natal. Anais eletrônicos…: Trilha Artes e Design – Full Papers. Natal: Sociedade Brasileira de Computação, 2022.

CAMARGO, Fernando Emboaba de. Interatividade e Narratividade sonora nos games. Universidade Estadual de Campinas, 2018. Área de concentração em Música: Criação, Teoria e Prática. Instituto de Artes. Campinas, 2018. 188p.

FORNARI, José. MAIA JR., Adolfo. MANZOLLI, Jônatas (2007). Composição de Paisagens Sonoras Digitais Através da Síntese Evolutiva.

GENETTE, Gérard. Figures of Literary Discourse. [Livro] Tradução Alan Sheridan. New York: Columbia University Press, 1982.

GORBMAN, Claudia. Unheard Melodies: narrative film music. [Livro] Londres: The British Film Institute, 1987.

JØRGENSEN, Kristine. ‘What are Those Grunts and Growls Over There?’ Computer Game Audio and Player Action. Tese de Doutorado. Copenhagen University, 2007. Section of Film and Media Studies. Department of Media, Cognition and Communication, 2007. 204p.

MENEGUETTE, Lucas Correia. A afinação do mundo virtual: identidade sonora em jogos digitais. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016. Área de concentração em Tecnologias da Inteligência e Design Digital. São Paulo, 2016. 234p.

YGLESIAS, Vinicius. CAMARGO, Fernando Emboaba de. FORNARI, José. Da Paisagem Sonora ao Ambiente Sônico: uma proposta taxonômica para o estudo de paisagens sonoras em games. In: SBGAMES, 22., 2022, Natal. Anais eletrônicos…: Trilha Artes e Design – Full Papers. Natal: Sociedade Brasileira de Computação, 2022.


Como referenciar este artigo:

YGLESIAS, Vinicius. Criando similaridade variante no ambiente sônico do protótipo do game “Submissão”. Blog C4, Campinas: Nics; Unicamp, 02 mai. 2023. ISSN: 2764-5754. Disponível em: https://unicampc4.blogspot.com/2023/05/criando-similaridade-variante-no.html