Sistema GBACT de classificação das sonoridades de games - parte 1

Vinicius Yglesias

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Este artigo busca apresentar o sistema GBACT proposto por Meneguette (2016) em sua tese de doutorado. De acordo com o autor, o sistema tem como objetivo fornecer direcionamentos gerais acerca das sonoridades constituintes das paisagens sonoras virtuais de games. O sistema foi baseado nas classificações gerais de Schafer (2011), a saber, 1) sons fundamentais; 2) sinais; 3) marcos sonoros, porém foi adaptado para a mídia dos games.

A princípio, cabe um esclarecimento acerca da terminologia utilizada. Meneguette (2016, p. 24) chama de “paisagens sonoras ficcionais” apenas as sonoridades diegéticas de um game, ou seja, somente os sons que entende-se fazer parte do mundo virtual representado (Jørgensen, 2007), deixando de lado a trilha musical e os sons de interface, por exemplo. Entretanto, conforme já mencionado em artigo anterior, utilizo a expressão “ambiente sônico” (Camargo, 2022; Yglesias, Camargo e Fornari, 2022) para abarcar essas mesmas sonoridades, com o objetivo de prevenir eventual confusão ou ambiguidade entre as sonoridades do mundo virtual do game com os sons do mundo real.

A classificação apresentada por Meneguette (2016) consiste em cinco categorias: 1) Geofonia; 2) Biofonia; 3) Antropofonia; 4) Criptofonia; 5) Tecnofonia. O autor também propõe um sistema de pontuação de 1 a 5 chamado GBACT (de acordo com a inicial de cada categoria), de maneira a guiar a classificação, embora ressalte que esta pontuação não deve ser tomada como algo fixo, mas uma descrição a partir de uma situação particular no game, devido à variabilidade sonora que pode ocorrer. Também vale ressaltar que são categorias que podem ser sobrepostas e não se encontram completamente separadas, então podem haver sons antropo-tecnofônicos ou bio-criptofônicos, por exemplo. Além disso, como os ambientes sônicos podem ser variados em um mesmo game, uma classificação geral pode abarcar as sonoridades mais frequentes, mas também poderia ser aprofundada uma classificação para cada fase, cidade ou ambiente de um game. O modelo é apresentado pelo autor conforme figura abaixo:



As categorias 1) Geofonia e 2) Biofonia são como ramificações da categoria 1) Sons naturais de Schafer. Enquanto Schafer abarca na mesma categoria de sons naturais tanto os sons de animais não humanos, como pássaros, peixes, insetos etc, quanto os sons geográficos dos elementos naturais, como água, vento e fogo, Meneguette opta por subdividí-las em duas categorias mais gerais de sons geofônicos e biofônicos.

A categoria 3) Antropofonia, como o nome indica, refere-se a sons produzidos por humanos, ou seja, principalmente diálogos ou vocalizações com ou sem conteúdo semântico, além de sons corporais. Esta categoria de Meneguette relaciona-se diretamente com a categoria 2) Sons humanos, de Schafer (2011), embora Meneguette não deixe claro se sons de vestimenta ou jóias também estariam incluídos nessa categoria, como o faz Schafer.

Na categoria 4) criptofonia, são abarcados sons fantásticos específicos dos ambientes sônicos de games, como efeitos sonoros relacionados a magia, criaturas místicas, alienígenas e outros sons sem correspondência no mundo real. De certa forma, seria possível associar essa categoria a alguns sons descritos por Schafer (2011), como “sons da criação” e “sons do apocalipse”, descritos na categoria de sons naturais, visto que em diversos games a gênese de seu mundo virtual é explicitamente apresentada audiovisualmente, como em The Legend of Zelda: Ocarina of Time, de 1998.



Por fim, na categoria 5) tecnofonia, Meneguette (2016) descreve sons provenientes de equipamentos que, embora sejam criados por humanos, possuem sonoridades próprias, sejam tecnologias factuais (robóticas ou eletrônicas) mecânicas, elétricas ou ficcionais, no caso de games com temática futurista. Esta categoria abarca na mesma classificação sons que Schafer (2011) divide em categorias diferentes. Por exemplo, a tecnofonia abarca a quarta categoria de Schafer (sons mecânicos), e também abarca a sonoridade de outras tecnologias como televisão, rádio, telefones etc, as quais Schafer coloca nas categorias 3) Sons e sociedade e 6) Sons como sinais.

É importante destacar que, principalmente a partir do terceiro período da história dos games (1995-2010, já tratado brevemente em artigo anterior), um mesmo game pode ter ambientações cada vez mais variadas. Portanto, embora seja possível fazer uma classificação geral, como a proposta neste artigo, é possível sugerir classificações diferentes para cada cenário ou cada momento da trama de um game. Mesmo em games considerados do mesmo gênero, como Tomb Raider, Grand Theft Auto San Andreas e Shadow Of The Colossus, todos classificados com o gênero de ação e aventura2, é possível notar grandes diferenças no ambiente sônico desses games de acordo com o contexto de cada um. Assim, na próxima parte deste artigo, é apresentado como mesmo games que abarcam o mesmo gênero podem ter ambientes sônicos radicalmente diferentes a partir desse modelo.


Notas

1 O prefixo “cripto”, de acordo com Rodrigues (2015), é uma apropriação da pseudociência chamada de “criptozoologia”, que estuda seres fantásticos.

2 De acordo com Pavlovic (2020), trata-se de um gênero em que há igual foco em combate e em enredo


Referências

CAMARGO, Fernando Emboaba de.. Relato de experiência: elaboração da trilha sonora para o game Os Heróis do Diabetes. In: SBGAMES, 22., 2022, Natal. Anais eletrônicos…: Trilha Artes e Design – Full Papers. Natal: Sociedade Brasileira de Computação, 2022.

JØRGENSEN, Kristine. ‘What are Those Grunts and Growls Over There?’ Computer Game Audio and Player Action. Tese de Doutorado. Copenhagen University, 2007. Section of Film and Media Studies. Department of Media, Cognition and Communication, 2007. 204p.

MENEGUETTE, Lucas Correia. A afinação do mundo virtual: identidade sonora em jogos digitais. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016. Área de concentração em Tecnologias da Inteligência e Design Digital. São Paulo, 2016. 234p.

RODRIGUES, F. O grito dos infectados: identidade sonora no jogo Dead  Island. Trabalho de Graduação (Tecnologia em Produção Fonográfica). Tatuí: Fatec Tatuí, 2015.

SCHAFER, Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora / R. Murray Schafer; tradução Marisa Trench Fonterrada. – 2.ed. – São Paulo: Editora Unesp, 2011a. 382p.: il

YGLESIAS, Vinicius. CAMARGO, Fernando Emboaba de. FORNARI, José. Da Paisagem Sonora ao Ambiente Sônico: uma proposta taxonômica para o estudo de paisagens sonoras em games. In: SBGAMES, 22., 2022, Natal. Anais eletrônicos…: Trilha Artes e Design – Full Papers. Natal: Sociedade Brasileira de Computação, 2022.


Como referenciar este artigo:

YGLESIAS, Vinicius. Sistema GBACT de classificação das sonoridades de games - parte 1. Blog C4, Campinas: Nics; Unicamp, 08 ago. 2023. ISSN: 2764-5754. Disponível em: https://unicampc4.blogspot.com/2023/08/sistema-gbact-de-classificacao-das.html